Consulta de Contribuinte nº 123 DE 19/06/2019

Norma Estadual - Minas Gerais - Publicado no DOE em 19 jun 2019

CONSULTA PARCIALMENTE INEPTA - Consulta declarada parcialmente inepta por versar sobre questão de direito já resolvida por decisão administrativa, em conformidade com o art. 43, inciso I, e seu parágrafo único, do Regulamento do Processo e dos Procedimentos Tributários Administrativos. ICMS - INDUSTRIALIZAÇÃO - TRANSFORMAÇÃO - Nos termos da alínea “a” do inciso II do art. 222 do RICMS/2002, para os efeitos de aplicação da legislação do ICMS, industrialização na modalidade transformação é a que, exercida sobre matéria-prima ou produto intermediário, importe em obtenção de espécie nova.

EXPOSIÇÃO:

A CONSULENTE apura o ICMS pela sistemática de débito e crédito e tem como atividade principal informada no cadastro estadual a fabricação de produtos de panificação industrial (CNAE 1091-1/01).

Informa que formulou a Consulta de Contribuinte nº 061/2019 para esclarecer dúvida sobre a possibilidade de creditamento de ICMS, após a alteração do subitem 19.4 da Parte 1 do Anexo IV do RICMS/2002, pelo Decreto nº 46.388/2013, por entender que o estabelecimento industrial que adquire peças de carne para fabricação de carnes industrializadas pode manter os créditos referentes às mercadorias adquiridas com carga tributária superior a 7% (sete por cento).

Transcreve trechos da resposta à citada Consulta e conclui que a Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais, por meio desta Diretoria de Orientação e Legislação Tributária (DOLT) reconheceu que a CONSULENTE exerce atividade preponderantemente industrial, mas entendeu pela obrigatoriedade do estorno do crédito de ICMS na entrada, sempre que a operação não for de alteração/transformação do produto originário.

Acrescenta que a DOLT justificou que a atividade de beneficiamento, identificada por fracionamento e empacotamento, apesar de possuir natureza industrial, não gera direito à escrituração integral do crédito de ICMS relativo à entrada, por não dar ensejo à alteração da NBM/SH do produto no momento da saída. Portanto, nessas hipóteses, orientou que o crédito de ICMS deve ser limitado a 7% (sete por cento).

Diante da resposta obtida, a CONSULENTE apresenta novas perguntas, argumentando que a classificação da atividade industrial é predominante para o deslinde da questão.

Colaciona à Consulta parecer técnico emitido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com análise do processo a que são submetidos os produtos de origem animal em seu estabelecimento industrial.

Afirma que há inequívoca alteração do produto e destaca o processo tecnológico aplicável:

A - Remoção do O2 (oxigênio): a remoção do gás, promovida na atmosfera que está em contato com o produto, provoca a morte dos microrganismos deteriorantes presentes no item, aumentando a sua vida útil e, por conseguinte, alterando a data de validade para consumo.

B - Aplicação de mistura gasosa bacteriostática a base de CO2 (dióxido de carbono): esse composto interage com o produto, inibindo o crescimento microbiano, contribuindo para o aumento da sua vida útil.

C - Aplicação de mistura gasosa bacteriostática a base de CO (monóxido de carbono): esse composto interage com o produto, gerando uma reação química que resulta na formação de uma liga, que promove, na carne, uma cor vermelha brilhante, contribuindo para o aspecto saudável da mercadoria.

D - Adição de temperos e especiarias aos cortes, transformando o produto in natura, em produto temperado.

E - Transformação mecânica das peças de carne em hamburguer ou carne moída, com a alteração do percentual de gordura da carne.

Defende que há realização de atividade industrial de transformação de carnes, independentemente de o processo culminar ou não em alteração da NBM/SH do produto e transcreve trecho do parecer técnico da UFMG, que acredita corroborar seu entendimento.

Diz que não se pode admitir a alteração do conceito de transformação para fins meramente fiscais e cita o conceito contido no Dicionário online de Português:

Transformar é promover qualquer alteração no estado de um sistema, qualquer tipo de alteração que modifica ou dá uma nova forma. É a alteração que um sistema sofre em consequência das trocas de energia com o meio exterior.

Com dúvida sobre a correta interpretação da legislação tributária, formula a presente consulta.

CONSULTA:

1 - A CONSULENTE realiza atividade industrial de transformação de carnes?

2 - O conceito de transformação pode ser alterado meramente para fins fiscais?

3 - É possível reconhecer a caracterização de atividade industrial de transformação de produto sem que o processo implique na alteração da NBM/SH?

RESPOSTA:

Preliminarmente, cumpre transcrever parte da resposta à Consulta de Contribuinte nº 061/2019:

(...) Desse modo, caso seja dada saída subsequente com a mesma mercadoria, deverá ser feito o estorno do crédito previsto no subitem 19.4, observadas as exceções nele contidas.

Essa Diretoria, por ocasião da resposta à Consulta de Contribuinte nº 109/2013, já esclareceu que será considerada mesma mercadoria, para fins de obrigatoriedade do estorno previsto no subitem 19.4, aquela classificada com o mesmo código da NBM/SH da mercadoria originalmente adquirida.

Depreende-se da exposição da CONSULENTE que seu processo consiste no beneficiamento e acondicionamento da carne, o que não implicaria na alteração da NBM/SH do produto.

Cabe ressaltar que a correta classificação dos produtos na codificação da NBM/SH é de responsabilidade do contribuinte. Caso remanesça dúvida quanto ao correto enquadramento dos produtos, a Secretaria da Receita Federal do Brasil é o órgão competente para dirimi-la, visto que as classificações e descrições têm por origem norma federal.

Portanto, a CONSULENTE deverá verificar se a mercadoria resultante do processo por ela descrito encontra-se classificada no mesmo código NBM/SH da mercadoria por ela adquirida, caso em que deverá promover a anulação do crédito prevista no subitem 19.4 da Parte 1 do Anexo IV do RICMS/2002. Do contrário, não será devido o estorno.

De acordo com o trecho transcrito, o critério para definir a obrigatoriedade do estorno previsto no subitem 19.4, conforme entendimento já consolidado nesta Diretoria, é o contribuinte dar saída à “mesma mercadoria”, assim entendida aquela que estiver classificada com o mesmo código NBM/SH da mercadoria originalmente adquirida.

Verifica-se também que esta Diretoria esclareceu que a responsabilidade pela classificação dos produtos na NBM/SH é da CONSULENTE e, portanto, também será responsável por verificar se as mercadorias que adquire, após submetidas ao processo descrito na Consulta, permanecem classificadas na mesma NBM/SH, para fins de definição do estorno.

Note-se que não há qualquer menção na legislação à modalidade de industrialização a que a mercadoria deve ser submetida para afastar a obrigatoriedade de estorno.

Houve apenas um indicativo de que o beneficiamento e acondicionamento da carne normalmente não implicam na alteração da NBM/SH do produto, mas, como foi informado logo adiante, não caberia a esta Diretoria manifestar-se sobre esse ponto, tendo em vista que a competência seria da Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Para melhor esclarecer a questão, vale trazer à análise pronunciamento anterior desta DOLT, por ocasião da resposta à Consulta de Contribuinte nº 047/2014, segundo o qual as atividades de porcionamento, limpeza e tempero de carne bovina caracterizam a industrialização na modalidade de beneficiamento.

Por outro lado, conforme as Notas Explicativas do Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias (NESH), nas Considerações Gerais do Capítulo 2:

Distinção entre as carnes e miudezas deste Capítulo e os produtos do Capítulo 16.

Apenas se compreendem neste Capítulo as carnes e miudezas que se apresentem nas seguintes formas, mesmo que tenham sido submetidas a um ligeiro tratamento térmico pela água quente ou pelo vapor (por exemplo, escaldadas ou descoradas), mas não cozidas:

1) Frescas (isto é, no estado natural), mesmo salpicadas de sal com o fim de lhes assegurar a conservação durante o transporte.

2) Refrigeradas, isto é, resfriadas geralmente até cerca de 0°C, sem atingir o congelamento.

3) Congeladas, isto é, refrigeradas abaixo do seu ponto de congelamento, até o congelamento completo.

4) Salgadas ou em salmoura, ou ainda secas ou defumadas.

Portanto, do trecho transcrito da NESH, conclui-se que carnes adicionadas de temperos diferentes do sal, embora submetidas à industrialização na modalidade de beneficiamento, conforme entendimento anterior desta Diretoria, estariam sujeitas a uma nova classificação fiscal, o que, como já dito, deve ser confirmado junto à Receita Federal do Brasil.

Sobre esse ponto, vale citar duas soluções de consulta do referido órgão federal, que informaram classificações fiscais distintas para o hambúrguer de carne bovina, conforme ele seja temperado ou não:

Solução de Consulta Cosit nº 98035, de 27 de fevereiro de 2018

ASSUNTO: Classificação de Mercadorias

EMENTA: Código NCM: 0202.30.00 Mercadoria: Hambúrguer de carne bovina cru, congelado, sem tempero e sem adição de qualquer outro ingrediente.

Solução de Consulta nº 29, de 17 de Dezembro de 2002

ASSUNTO: Classificação de Mercadorias

EMENTA: Código TIPI - Mercadoria 1602.50.00 Hambúrguer de carne bovina, temperado e congelado.

Portanto, confirmada com o órgão competente a classificação da carne temperada em NBM/SH distinta da carne sem tempero, é possível afirmar que a industrialização na modalidade de beneficiamento pode modificar a classificação fiscal da mercadoria, o que, no caso analisado, afastaria a obrigatoriedade de estorno do crédito prevista no subitem 19.4 da Parte 1 do Anexo IV do RICMS/2002.

Ainda em caráter preliminar, com fundamento no inciso I e parágrafo único do art. 43 do Regulamento do Processo e dos Procedimentos Tributários Administrativos (RPTA), estabelecido pelo Decreto nº 44.747/2008, declara-se parcialmente inepta a pergunta nº 1 apresentada pela CONSULENTE, por versar sobre questão de direito já resolvida na Consulta de Contribuinte nº 061/2019, relativamente às seguintes atividades realizadas sobre a carne: higienização, equalização da temperatura, criogenia, porcionamento, embalagem e armazenamento.

Isto posto, responde-se aos questionamentos formulados.

1 - Por ocasião da Consulta de Contribuinte nº 061/2019, a CONSULENTE descreveu sua atividade nas seguintes etapas:

a) Higienização - as peças de carne passam por um processo de higienização;

b) Equalização da temperatura - reduz a temperatura da carne para 0ºC, pois essa chega resfriada a uma temperatura entre 4ºC e 7ºC;

c) Criogenia - processo para abaixar a -2ºC a temperatura da superfície da carne (1mm ou 2 mm);

d) Porcionamento - fracionamento da carne de acordo com a característica do corte ou processo para moer as peças;

e) Embalagem - processo em que os pedaços/porções de carne são acondicionados, com aplicação da técnica de “embalagem em atmosfera modificada” em que há mudança da composição dos gases que entram em contato com o produto, propiciando maior proteção contra o oxigênio e durabilidade ao produto; e

f) Armazenamento - armazenagem dos produtos industrializados em câmaras para posterior venda.

Quando da resposta à Consulta, esta DOLT esclareceu que:

Depreende-se da exposição da CONSULENTE que seu processo consiste no beneficiamento e acondicionamento da carne, o que não implicaria na alteração da NBM/SH do produto.

Portanto, declara-se parcialmente inepta a pergunta nº 1, relativamente às atividades descritas pela CONSULENTE por ocasião da Consulta de Contribuinte nº 061/2019, tendo em vista que essa Diretoria já esclareceu que tais atividades caracterizam industrialização nas modalidades de beneficiamento e acondicionamento.

Na presente Consulta, a descrição das atividades foi alterada, nos seguintes termos:

A - Remoção do O2  (oxigênio): a remoção do gás, promovida na atmosfera que está em contato com o produto, provoca a morte dos microrganismos deteriorantes presentes no item, aumentando a sua vida útil e, por conseguinte, alterando a data de validade para consumo.

B - Aplicação de mistura gasosa bacteriostática a base de CO2 (dióxido de carbono): esse composto interage com o produto, inibindo o crescimento microbiano, contribuindo para o aumento da sua vida útil.

C - Aplicação de mistura gasosa bacteriostática a base de CO (monóxido de carbono): esse composto interage com o produto, gerando uma reação química que resulta na formação de uma liga, que promove, na carne, uma cor vermelha brilhante, contribuindo para o aspecto saudável da mercadoria.

D - Adição de temperos e especiarias aos cortes, transformando o produto in natura, em produto temperado.

E - Transformação mecânica das peças de carne em hamburguer ou carne moída, com a alteração do percentual de gordura da carne.

Observa-se que as etapas descritas nos itens A, B e C correspondem à aplicação da técnica de “embalagem em atmosfera modificada”, descrita na etapa “Embalagem”, da primeira Consulta, enquanto a etapa descrita no item E corresponde à etapa Porcionamento. Tais atividades, portanto, já foram analisadas e classificadas por esta Diretoria.

A etapa descrita no item D (adição de temperos e especiarias aos cortes) não foi relatada na primeira Consulta.

Vale destacar que, nos termos do inciso II do art. 222 do RICMS/2002:

Art. 222. Para os efeitos de aplicação da legislação do imposto:

(...)

II - industrialização é qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto ou o aperfeiçoe para o consumo, observado o disposto nos §§ 1º, 3º e 6º, tais como:

a) a que, exercida sobre matéria-prima ou produto intermediário, importe em obtenção de espécie nova (transformação);

b) a que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto (beneficiamento);

c) a que consista na reunião de produtos, peças ou partes e da qual resulte um novo produto ou unidade autônoma (montagem);

d) a que importe em alterar a apresentação do produto pela colocação de embalagem, ainda que em substituição à original, salvo quando a embalagem colocada se destine apenas ao transporte de mercadoria (acondicionamento ou reacondicionamento);

e) a que, exercida sobre produto usado ou parte remanescente de produto deteriorado ou inutilizado, renove ou restaure o produto para utilização (renovação ou recondicionamento);

Considerando-se as definições acima, verifica-se que a adição de temperos e especiarias também caracteriza o beneficiamento da carne. Lembrando que já existe manifestação anterior dessa Diretoria nesse sentido, conforme resposta à Consulta de Contribuinte nº 047/2014.

Portanto, as atividades descritas na Consulta não caracterizam a industrialização na modalidade transformação, assim entendida a atividade que, exercida sobre matéria-prima ou produto intermediário, importe em obtenção de espécie nova, nos termos da alínea “a” do inciso II do art. 222 do RICMS/2002.

2 - O conceito de transformação, para fins de aplicação da legislação tributária, está previsto na alínea “a” do inciso II do art. 222 do RICMS/2002, transcrita acima.

Nos termos do art. 110 do Código Tributário Nacional (CTN):

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

Considerando-se que o conceito de “transformação” não está alcançado pela limitação imposta pelo CTN, não há impedimento para que a legislação tributária estabeleça sua definição, circunscrevendo seus efeitos para fins tributários.

3 - Considerando-se que, conforme o conceito de transformação previsto na alínea “a” do inciso II do art. 222 do RICMS/2002, tal atividade resulta na obtenção de espécie nova, é possível concluir que, normalmente, implicará a alteração da NBM/SH do produto.

No entanto, os critérios para classificação das mercadorias na NBM/SH são diversos e, como já afirmado anteriormente, não compete a esta Diretoria esclarecer dúvidas sobre tal classificação.

Por fim, se da solução dada à presente Consulta resultar imposto a pagar, o mesmo poderá ser recolhido sem a incidência de penalidades, observando-se o prazo de 15 (quinze) dias contados da data em que a CONSULENTE tiver ciência da resposta, desde que o prazo normal para seu pagamento tenha vencido posteriormente ao protocolo desta Consulta, observado o disposto no art. 42 do RPTA.

DOT/DOLT/SUTRI/SEF, 19 de junho de 2019.

Marcela Amaral de Almeida

Assessora
Divisão de Orientação Tributária

Ricardo Wagner Lucas Cardoso

Coordenador
Divisão de Orientação Tributária

De acordo.

Ricardo Luiz Oliveira de Souza

Diretor de Orientação e Legislação Tributária

De acordo.

Marcelo Hipólito Rodrigues

Superintendente de Tributação