Consulta nº 68 DE 02/06/2021
Norma Estadual - Rio de Janeiro - Publicado no DOE em 02 jun 2021
Possibilidade de crédito relativo ao fornecimento de energia elétrica consumida em compressão de gases.
RELATÓRIO
A empresa, com sede no município de Barra Mansa, vem solicitar esclarecimentos desta Superintendência acerca da possibilidade de crédito relativo ao fornecimento de energia elétrica utilizada na compressão de gás. Entende que essa etapa de seu processo seria uma industrialização.
Constam do administrativo: a petição da consulta (documento 19030101), uma ata de Assembleia Geral arquivada na Junta Comercial do Rio Grande do Sul (documento 19030103), procuração (documento 19030102) e documentação de identificação dos signatários da petição (documentos 19030107 e 19030108). Consta também documentação comprobatória do pagamento da TSE (documento 19030103). A consulente anexou ainda um laudo técnico (documento 19030105), emitido por profissional da área de engenharia, atestando que seu processo de compressão seria um processo industrial.
A repartição de jurisdição, AFE 04 – Petróleo e Combustíveis, em sua manifestação (despacho AUDFE04 21876632) informa a inexistência de autos de infração pendentes de decisão relacionados à consulta e a inexistências de ações fiscais iniciadas antes do seu protocolo.
A consulente, em sua petição, afirma/informa:
Que suas atividades são precipuamente: compra, venda, distribuição armazenamento, compressão, transporte e pesquisa de gás natural e biometano, no Brasil e no exterior. Apresenta um quadro esquemático com a síntese de seu processo, que inclui etapa de compressão dos gases recebidos de seus fornecedores;
Que o gás fornecido pelas concessionárias estaduais de distribuição de gás natural e o biometano fornecido por produtores independentes passam por um medidor e ingressam na base de compressão, e, após essa etapa, há o abastecimento dos containers de GNC (equipamentos responsáveis pelo armazenamento e transporte do gás comprimido). O sistema de container possuem pallets compostos de 64 a 154 cilindros, a depender do adquirente, e são usados no transporte dos gases comprimidos aos clientes. Anexa fotos dos pallets com cilindros e em caminhões;
Que o ponto central da consulta é o crédito do imposto relativo à entrada de energia elétrica a ser consumida na compressão dos gases;
Que o imposto é não cumulativo sendo garantido o direito ao crédito do cobrado em operações de entrada de energia elétrica consumida no processo de industrialização. Cita e reproduz os seguintes dispositivos da LC n.º 87/1996: artigos 19, 20 e alínea “b” do inciso I do artigo 33;
Que, especificamente em relação à energia elétrica, a legislação estadual também permite o crédito relativo à entrada de energia para consumo industrial. Cita e reproduz parcialmente o artigo 83 da Lei n.º 2.657/1996 e o artigo 63 do Livro I do RICMS/RJ. Cita também a Portaria SET n.º 141/1992, que determina que o crédito seja proporcional à parcela da energia consumida no processo industrial;
Que adquire grande quantidade de energia elétrica para efetuar a compressão dos gases em suas diversas bases no estado. O processo de compressão é feito por equipamentos compressores de alta complexidade, patenteado pelo INPI, permitindo que gás varie de 10 a 250 bar em poucas horas.
Que a compressão dos gases se trata de processo de industrialização, tipificado pelo inciso II do artigo 4º do Regulamento do IPI, Decreto n.º 7.212/2010, reproduzido, e atestado por laudo técnico emitido por consultoria especializada;
Que o gás natural adentra a planta de compressão com pressão média de 10 bar, passa por uma transformação físico-química para que atinja a pressão de 220 a 250 bar. A transformação físico-química consiste, resumidamente, em transformação da pressão (elevação), temperatura e densidade. Esclarece que o gás comprimido com pressão de 250 bar não é obtido na natureza, sendo necessários a adição de energia e trabalho mecânico para a compressão. Apresenta um desenho esquemático de um compressor;
Que no final do processo é diminuída a distância entre as moléculas de gás, aumentando a quantidade de gás armazenada no container, sendo utilizada grande quantidade de energia, consumida para alimentar os motores elétricos, que movimentam o pistão e o cilindro, comprimindo mecanicamente o gás natural para armazenamento sob alta pressão;
Que, segundo Hércules de Souza Medeiros, as estações de compressão, além de comprimir gás natural, geralmente possuem também algum tipo de sistema de separação de líquidos, formado por filtros, que capturam qualquer líquido ou partículas estranhas ao gás natural. E, que apesar dos dutos serem considerados secos, não é incomum a condensação de água e hidrocarbonetos, estranhos ao gás, no duto, durante o transporte.
Os separadores de líquidos, filtram o gás antes da compressão, e garantem que o gás natural seja o mais puro possível. Conclui que se trata de um beneficiamento da mercadoria, e afirma: “Findo o processo de compressão, o gás natural é transformado em gás natural comprimido.” (sic).
Entende que se trata de modificação imprescindível da mercadoria, para viabilizar sua armazenagem e transporte, pois “com o processo de industrialização e modificação da mercadoria para um gás comprimido, passa-se a armazenar, em média 6.000 m3 de gás” em vez de 300 m3 de gás descomprimido. Entende ainda, que não é possível classificar seu procedimento como simples utilização de embalagem para fins de transporte, hipótese prevista na legislação como exceção ao conceito de industrialização. No seu caso, ainda que o gás possa ser inserido no cilindro sem compressão, a quantidade seria muito menor, inviabilizando sua comercialização. Afirma que o processo industrial não está na embalagem, mas no procedimento de compressão, que diminui o volume do gás, mediante aplicação de energia e trabalho mecânico, permitindo que uma quantidade maior seja transportada no mesmo cilindro, viabilizando economicamente sua atividade.
Finaliza afirmando que a recém sancionada Lei do Gás, n.º 14.134/2021 é clara ao distinguir gás natural do gás natural comprimido, inclusive mencionando que este se trata de mercadoria processada, corroborando seu entendimento de que a compressão é, evidentemente, um processo de industrialização de que trata o inciso II do artigo 4º do Regulamento do IPI, em razão da modificação físico-química do gás, transformado em gás comprimido. Conclui que a compressão é um
inequívoco beneficiamento da mercadoria, trazendo ainda um maior grau de pureza.
Por fim, consulta no item 25 de sua petição (sic):
" 25. Ante o exposto, consulta-se se:
É correto o entendimento manifestado, no sentido de que a Consulente e suas filiais estão legalmente autorizadas a se creditar do ICMS nas aquisições de energia elétrica consumida em seu processo de industrialização – a compressão do gás?"
ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO
Preliminarmente, cumpre ressaltar que a competência da Superintendência de Tributação, bem como da Coordenadoria de Consultas Jurídico-Tributárias abrange a interpretação da legislação tributária fluminense em tese, cabendo à verificação da adequação da norma ao caso concreto exclusivamente à autoridade fiscalizadora ou julgadora. Assim como, não cabe à CCJT a verificação da veracidade dos fatos narrados, presumindo-se corretas as informações e documentos apresentados pela
consulente.
Procedem as alegações de que é permitido o crédito relativo à parcela de energia elétrica consumida em processo industrial, conforme a legislação citada pela consulente. O cerne da consulta versa sobre a possibilidade de se considerar a compressão como processo industrial.
As características e modalidades de industrialização objeto do artigo 4º do RIPI/2010 foram inteiramente incorporadas à legislação tributária do Estado do Rio de Janeiro, em seus estritos termos, no inciso III do artigo 3º do Livro XVII do RICMS/RJ, abaixo reproduzido:
Art. 3.º Para os efeitos do disposto neste regulamento, considera-se:
...
III - industrialização, qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade de produto, ou o aperfeiçoe para o consumo, tais como:
1. a que, exercida sobre a matéria-prima ou produto intermediário, importe em obtenção de espécie nova (transformação);
2. a que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto (beneficiamento);
3. a que consista na reunião de produtos, peças ou partes de que resulte um novo produto ou unidade autônoma (montagem);
4. a que importe em alterar a apresentação do produto, pela colocação de embalagem, ainda que em substituição à original, salvo quando a embalagem colocada se destine, apenas, ao transporte da mercadoria (acondicionamento ou reacondicionamento);
5. a que, exercida sobre o produto usado ou partes remanescentes do produto deteriorado ou inutilizado, o renove ou restaure para utilização (renovação ou recondicionamento);
A consulente entende que seu processo de compressão se enquadraria na modalidade de industrialização de beneficiamento.
Em princípio, a compressão de um gás não o modifica, pois este segue sendo o mesmo gás. Assim como não o aperfeiçoa e não altera seu funcionamento, sua utilização, seu acabamento e sua aparência. O processo de compressão em si é apenas para viabilizar economicamente seu transporte, permitindo que uma maior quantidade seja transportada a cada vez.
Ressaltamos que gases podem ser transportados também por dutos ou transportados liquefeitos. Na compressão, entendemos que não ocorre transformação nem física nem química da mercadoria. A compressão do gás, para inserção em cilindros, se enquadra como acondiciamento, prevista no item 4 do mesmo inciso III, acima citado. Entretanto, como ali previsto, o acondicionamento para o transporte de mercadorias está excetuado do conceito de industrialização. Tal entendimento é semelhante ao adotado em outros estados, como São Paulo, exarado na Consulta n.º 19.799/19. A liquefação até poderia ser objeto de discussão pois ocorre uma transformação física, do estado gasoso para o líquido, mas como se trata de procedimento visando o transporte do gás, também estaria excetuado do conceito de industrialização, e ainda com a necessidade de retorno ao estado original para seu uso.
Na petição, a consulente cita a nova Lei do Gás, n.º 14.134/2021. Observamos que a mesma foi editada para regulamentação e fiscalização, pela ANP, na sua estrita competência, das atividades associadas ao gás natural, incluindo, dentre outras, seu transporte, acondicionamento, liquefação e comercialização, mas sem fins tributários. Da norma reproduzimos algumas definições, que praticamente não foram modificadas em relação ao que constava na lei anterior, n.º 11.909/2009:
Art. 3º Ficam estabelecidas as seguintes definições para os fins desta Lei e de sua regulamentação:
I - acondicionamento de gás natural: confinamento de gás natural na forma gasosa, líquida ou sólida em tanques ou outras instalações para o seu armazenamento, movimentação ou consumo;
XXI - gás natural: todo hidrocarboneto que permanece em estado gasoso nas condições atmosféricas normais, extraído diretamente a partir de reservatórios petrolíferos ou gaseíferos, cuja composição poderá conter gases úmidos, secos e residuais;
XXII - Gás Natural Comprimido (GNC): gás natural processado e acondicionado para o transporte em ampolas ou cilindros à temperatura ambiente e a uma pressão que o mantenha em estado gasoso;
XXIII - Gás Natural Liquefeito (GNL): gás natural submetido a processo de liquefação para acondicionamento e transporte;
XLIII - tratamento ou processamento de gás natural: conjunto de operações destinadas a tratar ou processar o gás natural a fim de permitir o seu transporte, distribuição e utilização;
Trazemos também a definição de gás natural processado constante da Resolução ANP n.º 16/2008, que estabelece, no Regulamento Técnico ANP n.º 2/2008 (parte integrante da dita Resolução), a especificação do gás natural para ser comercializado em território nacional:
Art. 3º Para os fins desta Resolução, ficam estabelecidas as seguintes definições:
III - Gás Natural Processado: é o gás natural nacional ou importado que, após processamento, atende à especificação do Regulamento Técnico ANP parte integrante desta Resolução;
O processamento do gás natural previsto na Resolução ANP seria o conjunto de operações necessárias para padronizar o gás natural, em relação a seus componentes químicos, de acordo com os limites estabelecidos na Resolução ANP n.º 16/2008, de modo a permitir seu transporte, distribuição e utilização no Brasil. Não é relacionado ao processo de compressão. Podemos concluir, considerando a definição de gás comprimido da Lei do Gás, que o gás natural para ser comprimido e transportado no Brasil, deverá ser previamente “processado”, nos termos da Resolução ANP n.º 16/2008. O termo processado citado na Lei do Gás independe de um procedimento de compressão.
O gás natural, para ser comprimido, passa, obviamente, por um processo de compressão. Entretanto, esse processo não é considerado uma industrialização para fins tributários. O termo “processado”, na definição de gás natural comprimido, não é originado da compressão e não se opõe ao nosso entendimento.
Quanto ao laudo técnico anexado pela consulente, entendemos que por mais pertinente que seja, não aborda o conceito de industrialização, para fins tributários, constante do RIPI e do RICMS/RJ.
RESPOSTA
Quanto ao questionamento respondemos que NÃO está correto o entendimento da consulente. O processo de compressão de gases deve ser enquadrado como ACONDICIONAMENTO, e, não é considerado industrialização para fins tributários, visto ser hipótese excetuada, pois destina-se apenas a seu transporte, nos termos previstos no item 4 do Inciso III do Livro XVII do RICMS/RJ. Por não ser considerada industrialização, não é permitido o crédito relativo à aquisição da energia elétrica consumida no processo de compressão.
Fique a consulente ciente de que esta consulta perderá automaticamente a sua eficácia normativa em caso de mudança de entendimento por parte da Administração Tributária ou seja editada norma superveniente dispondo de forma contrária