Consulta nº 59 DE 18/02/2015
Norma Estadual - Rio de Janeiro - Publicado no DOE em 18 fev 2015
ICMS. Autotransporte ou transporte por autopropulsão. Prestação de serviço de transporte realizado mediante o fornecimento de motoristas/funcionários da consulente (transportadora rodoviária de cargas) com o propósito de dirigirem veículos novos de montadoras até seus destinos.
I - RELATÓRIO
Em sua petição inicial, devidamente assinada (fls. 15 a 30) e acompanhada do recolhimento da taxa devida (fls. 12 a 14), após detalhada apresentação da pretensão, a consulente efetua quatro questionamentos a seguir integralmente reproduzidos e respondidos.
Preliminarmente, observe-se que foi informado pela IFE 01 que a consulente “não se encontra sob ação fiscal e não possui contra si autos de infração”. Foi registrado, ainda, “que, em relação a outros estabelecimentos da empresa, existem os autos de infração mencionados nos relatórios de fls. 31 a 39, sendo que, aqueles autos de infração cujos créditos tributários não estão definitivamente constituídos, s.m.j., não possuem fundamento relacionado às dúvidas suscitadas” (fl. 40).
II - ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO
I - “O transporte de veículos pela sua própria propulsão (autotransporte) configura transporte rodoviário de carga sujeito ao ICMS ou se trata de fornecimento de mão de obra, sujeito ao ISSQN?” (fl. 10).
A consulente registra “que sua atividade econômica principal consiste na prestação de serviços de transporte rodoviário de cargas, notadamente veículos automotores, estando, assim, amparada pela incidência do ICMS”. Informa possuir uma operação específica “em que é contratada para retirar determinados veículos novos da fábrica montadora e transportar até uma concessionária. Contudo, esse transporte é realizado sem a utilização de carretas, mediante o fornecimento de motoristas/funcionários da Consulente que dirigem os veículos novos até os seus destinos. Este transporte é denominado autotransporte ou transporte por autopropulsão” (fl. 4).
E prossegue, “como o serviço prestado nesta operação se limita à disponibilização de um funcionário da Consulente para dirigir o veículo novo da contratante, ventilou-se a possibilidade de estarmos diante de cessão de mão-de-obra, ocorrendo o fato gerador do tributo de competência do município ISSQN”.
Entendo que a operação em comento se sujeita à incidência do ICMS, pelos motivos a seguir apresentados. A Constituição Federal de 1988 (CF/88) determina, em seu artigo 155, II, que “compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”. O artigo 156, III, por sua vez, atribui aos Municípios a competência para instituir impostos sobre “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar”.
A Carta Magna prevê ainda que lei complementar estabelecerá “normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes” (artigo 146, inciso III).
Relativamente ao ICMS, a Lei Complementar n° 87/96 (Lei Kandir) assim fixou em seus artigos 2°, inciso II, e 12, inciso V:
“Art. 2° O imposto incide sobre:
II - prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores; (...)
Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
V - do início da prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, de qualquer natureza;”
Adicionalmente, o Código Civil de 2002, em seus artigos 730 a 756, disciplina a operação de transporte e prevê que “pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas”. A leitura aos referidos artigos, especialmente aqueles relativos ao ‘Transporte de Coisas’, não traz qualquer indicação de ser afastada a existência de prestação de serviço de transporte em relação à operação trazida aos autos pela consulente.
Na mesma linha, a Lei Federal n° 11.442/07, que dispõe sobre o transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros e mediante remuneração, assim prevê:
“Art. 6° O transporte rodoviário de cargas será efetuado sob contrato ou conhecimento de transporte, que deverá conter informações para a completa identificação das partes e dos serviços e de natureza fiscal.
Art. 7° Com a emissão do contrato ou conhecimento de transporte, a ETC e o TAC assumem perante o contratante a responsabilidade:
I - pela execução dos serviços de transporte de cargas, por conta própria ou de terceiros, do local em que as receber até a sua entrega no destino;”.
Consulta análoga respondida pela Secretaria de Fazenda mineira (Consulta de Contribuinte n° 139/2014. PTA n° 45.000005267-71) assim resume de forma clara e organizada: “depreende-se dos normativos acima que são pressupostos para caracterização da prestação de serviço de transporte de cargas: o contrato de prestação de serviço entre o prestador e o tomador de serviço, a remuneração pelo serviço, a responsabilidade do transportador pela coisa transportada desde o seu recebimento do tomador até a sua entrega ao destinatário (de um lugar para outro)”.
Conforme trazido aos autos pela própria consulente, o fisco paulista também já se manifestou sobre matéria semelhante, momento em que foram mencionadas na resposta à Consulta Tributária n° 1686/2013 lições doutrinárias de Bernardo Ribeiro de Moraes, a seguir reproduzidas devido à relevância e pertinência.
“Transportar é conduzir. Quem transporta leva pessoas ou coisas de um lugar a outro. A ideia de dinamismo, de movimentação, percurso ou itinerário realizado, é inerente ao transporte. (...). Assim, torna-se essencial para seu conceito os dois pontos diversos percorridos: o da partida ou expedição e o da chegada, destino ou de entrega. Transporte, portanto, vem a ser o ato ou o efeito de transportar, isto é, de deslocar pessoas ou coisas no espaço, de um ponto ao outro, mediante remuneração.
O transporte que nos interessa é o deslocamento de pessoas ou coisas a título oneroso, de cunho econômico. Em se tratando de serviço, deve haver sempre a obrigação de alguém fazer, para outrem, a deslocação dessas pessoas ou coisas, mediante paga. No contrato de transporte, pede-se ao transportador a deslocação. Não podemos confundir ‘transporte’ com ‘condução’, que não é onerosa e nem tem caráter de obrigação. Se alguém levar um amigo, por mera liberalidade ou cortesia, de um ponto para outro, não faz transporte. Somente oferece condução.
Do ponto de vista jurídico, o transporte vem a ser o contrato pelo qual uma das partes (denominada transportador), mediante remuneração, se obriga a receber pessoas ou coisas para deslocá-las de um ponto a outro, até o lugar de destino. Contrato de Transporte ensina Pontes de Miranda, ‘é o contrato pelo qual alguém se vincula, mediante retribuição, a transferir de um lugar para outro pessoa ou bens’.”
Segundo o mesmo autor, “o elemento essencial do contrato de transporte é o seu objeto, a sua finalidade em si, que há de ser sempre o transporte, ou seja, a deslocação de pessoas ou coisas”.
Considerada a operação e respectivas informações trazidas aos autos pela consulente, na hipótese de prestação de serviço (intermunicipal ou interestadual) contratada com a finalidade de transportar coisa, ainda que mediante a mera “disponibilização de um funcionário da consulente para dirigir o veículo novo” até seus destinos, incide o ICMS, nos termos previstos nos artigos 155, II, da CF/88; 2°, II, e 12, V, da Lei Complementar n° 87/96 e 2°, II, e 3°, IX, da Lei fluminense n° 2.657/96.
II - “Caso se entenda pela incidência do ICMS, qual o documento fiscal a ser emitido para acobertar a prestação deste serviço, o CT-e ou a Nota Fiscal de Transporte de bens ou mercadorias?” (fl. 10).
Em se tratando de transporte rodoviário de carga, deverá ser emitido o Conhecimento de Transporte Eletrônico (CTe), modelo 57, de que trata o Capítulo XVI, do Título II, do Livro IX do RICMS/00.
III - “Por se tratar de veículo sem placa, sem número de frota, sem RENAVAM, como a Consulente deverá preencher o documento fiscal no tocante a estes campos obrigatórios? Pode a Consulente indicar números e/ou letras genéricas como, por exemplo, placa do veículo XXX1111, RENAVAM 111111111?”
Entendo que este questionamento envolve aspecto operacional sob o qual esta Coordenação não possui competência, fato que me leva a sugerir o envio ao Grupo de Trabalho do Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e), localizado na Superintendência de Planejamento, Avaliação e Modernização (SUPLAM), a fim de prestar, em colaboração, os esclarecimentos e orientações cabíveis.
IV - “A Consulente poderá se aproveitar do crédito presumido do ICMS (20%) em relação aos serviços prestados nesta modalidade (autotransporte ou transporte por autopropulsão)?
Uma vez que a prestação de serviço de transporte relativa ao primeiro questionamento é operação tributada, é cabível a utilização do crédito na forma prevista no Convênio ICMS n° 106/96.
III - CONCLUSÃO
Realizados os comentários acima, são estes os procedimentos que interpreto cabíveis à luz do disposto na legislação tributária fluminense.
Esta consulta não produzirá os efeitos que lhe são próprios caso seja editada norma superveniente que disponha de forma contrária à presente resposta dada.
CCJT, Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 2015.