Consulta nº 56 DE 05/07/2022

Norma Estadual - Paraná - Publicado no DOE em 05 jul 2022

ICMS. VENDA À ORDEM. CONTRIBUINTES DOMICILIADOS EM UNIDADES FEDERADAS DISTINTAS. CIRCULAÇÃO JURÍDICA DE MERCADORIA. OPERAÇÃO INTERESTADUAL.

A consulente, cadastrada como serraria com desdobramento de madeira em bruto (CNAE 1610-2/03), informa praticar, dentre outras atividades, a compra e venda de toras de madeira (código 4407.29.90 da NCM), mantendo, como decorrência, relações comerciais com fornecedores e clientes localizados em diversas unidades federadas.

Relata que adquire toras de madeira de fornecedor localizado no Estado de São Paulo, que são posteriormente revendidas para cliente também domiciliado naquele Estado, exercendo, nessa operação, o papel de intermediária de uma cadeia produtiva.

Expõe que, como regra, em operações de compra e venda, mercadorias adquiridas são remetidas pelo fornecedor à empresa que as adquire para revenda, e lá permanecem até que sejam objeto de comercialização, quando saem do estoque da empresa e são destinadas ao estabelecimento adquirente.

Porém, como seu fornecedor e seu cliente estão situados em território paulista, a consulente informa ter estruturado a operação como uma venda à ordem, em que participam três empresas distintas, para que a logística resultasse mais eficiente. Desse modo, registra que as toras de madeira não transitam por seu estabelecimento e, consequente, pelo Estado do Paraná.

Como as toras de madeira vendidas por fornecedor paulista são remetidas por esse diretamente a destinatário localizado no Estado de São Paulo, por conta e ordem da consulente, com circulação física da mercadoria exclusivamente em território paulista, o Setor Consultivo daquela unidade federada entende se tratar de uma operação interna, sendo possível a utilização do diferimento do imposto, tratamento tributário previsto na legislação local nas operações internas com tais mercadorias.

Todavia, pelo fato de estar domiciliada no Paraná, a consulente manifesta ter julgado oportuno esclarecer junto ao fisco paranaense qual é sua posição acerca da questão.

No seu entender, considerando que o inciso I do § 1º do art. 17 do Regulamento do ICMS dispõe serem internas as operações em que o remetente e o destinatário da mercadoria estiverem domiciliados neste Estado, aduz ser possível concluir que uma operação é definida como interestadual, sob o aspecto físico, quando a mercadoria transite de um estado para outro.

Argui que, nesse mesmo sentido, dispõe a alínea "a" do inciso I do art. 24 do Regulamento do ICMS, ao estabelecer o local da operação ou da prestação, para efeitos da cobrança do imposto e de definição do estabelecimento responsável pelo pagamento.

Assim, conclui ser possível que as operações de venda à ordem que pratica se caracterizem como operações internas e que ensejem, portanto, a aplicação da alíquota interna prevista para o Estado de São Paulo, uma vez que a circulação física da mercadoria ocorre exclusivamente em território paulista.

Assumindo essas premissas, a consulente infere que as duas operações mercantis de venda deveriam ser tributadas segundo a legislação paulista, aplicando-se a alíquota interna do Estado de São Paulo e diferindo o recolhimento do ICMS até a realização de uma das operações que caracterizam encerramento dessa fase (saída das toras de madeira para outro Estado ou saída de produtos resultantes de sua industrialização).

Diante do exposto, questiona se está correto seu entendimento e, no caso de afirmativa a resposta, como deve emitir a nota fiscal destinada ao adquirente final das toras e, ainda, no caso de resposta negativa, como deve proceder, considerando se tratar de venda à ordem.

RESPOSTA

A consulente, com domicílio tributário neste Estado, ao realizar venda de toras de madeira a destinatário paulista (operação de circulação de mercadoria), pratica fato gerador do ICMS, motivando o surgimento de relação obrigacional que tem como sujeito ativo o Estado do Paraná, conforme estabelecem os artigos 11 e 12 da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996:

"Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é:

I - tratando-se de mercadoria ou bem:

a) o do estabelecimento onde se encontre, no momento da ocorrência do fato gerador;

b) onde se encontre, quando em situação irregular pela falta de documentação fiscal ou quando acompanhado de documentação inidônea, como dispuser a legislação tributária;

c) o do estabelecimento que transfira a propriedade, ou o título que a represente, de mercadoria por ele adquirida no País e que por ele não tenha transitado;".

...

V - tratando-se de operações ou prestações interestaduais destinadas a consumidor final, em relação à diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a alíquota interestadual:

a) o do estabelecimento do destinatário, quando o destinatário ou o tomador for contribuinte do imposto;

b) o do estabelecimento do remetente ou onde tiver início a prestação, quando o destinatário ou tomador não for contribuinte do imposto.

...

§ 3º Para efeito desta Lei Complementar, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias, observado, ainda, o seguinte:

I - na impossibilidade de determinação do estabelecimento, considera-se como tal o local em que tenha sido efetuada a operação ou prestação, encontrada a mercadoria ou constatada a prestação;

...

§ 7º Na hipótese da alínea "b" do inciso V do caput deste artigo, quando o destino final da mercadoria, bem ou serviço ocorrer em Estado diferente daquele em que estiver domiciliado ou estabelecido o adquirente ou o tomador, o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será devido ao Estado no qual efetivamente ocorrer a entrada física da mercadoria ou bem ou o fim da prestação do serviço.

...

Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:

...

IV - da transmissão de propriedade de mercadoria, ou de título que a represente, quando a mercadoria não tiver transitado pelo estabelecimento transmitente;".

Note-se que, relativamente a operações realizadas entre contribuintes do ICMS, a alínea "c" do art. 11 da Lei Complementar nº 87/1996 define ser o local da operação aquele onde localizado o estabelecimento transferente da propriedade da mercadoria, quando adquirida em território nacional e que por ele não transite, considerando-se ocorrido o fato gerador no momento da transmissão de sua propriedade, nos termos do inciso IV do art. 12 da mesma lei.

Registre-se que a circulação física, como regra, retrata a circulação jurídica, externando seu contorno e aspectos. Entretanto, na hipótese em que o destino físico da mercadoria não coincida com o de localização do destinatário jurídico, as normas transcritas sinalizam que é a circulação jurídica que determina o aspecto espacial e temporal da hipótese de incidência do ICMS nas operações entre contribuintes.

Corrobora essa conclusão o contido no § 3º, inciso I, do já referido art. 11, ao dispor que deve ser considerado como local da operação aquele em que se encontre a mercadoria, apenas na impossibilidade de determinação do estabelecimento responsável por sua circulação.

Cabe mencionar ainda, com o fim de ratificar esse entendimento, a regra prevista no § 7º do art. 11, introduzida na Lei Complementar nº 87/1996 pela Lei Complementar nº 190, de 4 janeiro de 2022, cuja aplicação está direcionada às operações interestaduais em que o destinatário não é contribuinte do ICMS. Nessa específica situação, a definição do local da operação e do sujeito ativo, para efeitos de cobrança da diferença entre as alíquotas interna e a interestadual, fundamenta-se na circulação física, sendo sujeito ativo da obrigação tributária o Estado no qual efetivamente ocorrer a entrada física da mercadoria, e não aquele em que localizado o adquirente. Por conseguinte, é considerada interna a operação em que a mercadoria é entregue a consumidor final não contribuinte do imposto no território do Estado em que localizado o estabelecimento transferente, independentemente do domicílio do adquirente.

À vista da legislação antes examinada, ocorrendo efetivamente a circulação jurídica de mercadorias, isto é, a transferência de propriedade em troca de pagamento do preço acordado, consubstanciada em elementos de prova, entende-se não haver razões que justifiquem considerar as operações descritas pela consulente, que são praticadas entre contribuintes do imposto situados em unidades federadas distintas, como internas, realizadas em território paulista.

Frise-se que esse entendimento está em consonância com as soluções manifestadas pelo STF - Supremo Tribunal Federal, como por exemplo, no ARE 665134 ED/MG (acórdão publicado em 3.12.2020), em que foi analisada questão relacionada ao sujeito ativo do ICMS em operação de importação. O STF, nesse caso, firmou tese no sentido de que o sujeito ativo é o Estado no qual está domiciliado ou estabelecido o destinatário legal da operação que deu causa à circulação da mercadoria, com a transferência de domínio. Tal conclusão leva em conta a definição de que o importador é o destinatário jurídico das mercadorias importadas, e não o destinatário físico (Tema 520 da sistemática da repercussão geral).

Pelas razões expostas, conclui-se que a consulente, na qualidade de adquirente original, realiza operação interestadual ao revender toras de madeira a contribuinte localizado em São Paulo, devendo emitir nota fiscal de venda na forma da sistemática da venda à ordem, disciplinada no art. 40 do Convênio Sinief s/n, de 15 de dezembro de 1970, e implementada no art. 578 do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 7.871, de 29 de setembro de 2017, e observar o tratamento tributário atribuído a essa operação pela legislação paranaense.