Consulta nº 54 DE 23/08/2023
Norma Estadual - Rio de Janeiro - Publicado no DOE em 23 ago 2023
Aplicabilidade do adicional da alíquota do ICMS a ser destinado ao fecp em operações com Combustíveis sujeitos à incidência monofásica Do tributo.
I. RELATÓRIO
O contribuinte acima identificado apela contra a decisão do Superintendente de Tributação (doc. 64484091), a qual se deu após apreciação da matéria pela Subsecretaria de Estado de Receita (doc. 64617062), no sentido de que a “alteração da forma de se calcular o valor do ICMS, de ad valorem para ad ren (sic) não altera o quantum a recolher de FECP, que continua a ser ‘um adicional de dois pontos percentuais adicionais à alíquota devida de ‘ICMS, ou do imposto que vier a substituí-lo’”. Como consequência, concluiu a autoridade máxima no âmbito desta Superintendência de Tributação (SUT) que a “alíquota relativa ao FECP é de 2% adicional à alíquota de ICMS, LC 210/23, calculada ad valorem, ou seja 2% sobre o valor da operação”, não havendo violação à “uniformidade determinada pela alínea “a”, inc. V, do art. 3º da LC 192/2022”.
A manifestação antecedente deste órgão técnico de Consultoria Jurídico-Tributárias (doc. 57647453), com a aprovação do Sr. Coordenador (doc. 57737576), com fundamento no disposto no inciso I do art. 39 do Anexo da Resolução SEFAZ nº 414/22[1], possuía entendimento diverso quanto ao tema controvertido, isto é, havia sido no sentido de que “não há norma que preveja o acréscimo da alíquota do ICMS na hipótese de incidência do imposto mediante aplicação da alíquota ad rem, como é o caso da incidência monofásica sobre combustíveis de que trata a Lei Complementar Federal nº 192/22” (doc. 57647453). No entanto, este posicionamento sustentado por esta CCJT não possui eficácia jurídica externa, diante do disposto no §2º do artigo 37 do Anexo à Resolução SEFAZ n.º 414/2022, segundo o qual as “decisões emanadas no âmbito da Superintendência de Tributação, que causem grande impacto e repercussão geral, deverão ser previamente apreciadas pela Subsecretaria de Estado de Receita antes da produção de efetivos efeitos”. Em síntese, a questão controvertida foi encaminhada ao Subsecretário de Estado de Receita (doc. 64617062) pelo Superintendente de Tributação (doc. 64484091) com posicionamento jurídico diverso daquele inicialmente proposto por este órgão técnico de Consultoria Tributária, tendo sido a decisão desta Superintendência de Tributação, em primeira instância, cientificada ao contribuinte nos termos acima apontados.
A manifestação de irresignação por parte do consulente foi formulada por intermédio de petição dirigida à “Secretaria de Estado de Fazenda – SEFAZ RJ” aos cuidados (“A/C”) do Sr. Superintendente de Tributação, tendo sido declarado que a petição “tem por objetivo solicitar a revisão e esclarecimento da “Resposta REVISADA Consulta nº 054/23”, com base art. 155 do Decreto n° 2.473, de 6 de março de 1979” (doc. 66710689). Em suma, a petição indica que a metodologia sustentada por meio intermédio da decisão do Sr. Superintendente de Tributação “não possui fundamento legal, uma vez que a alíquota do ICMS dos combustíveis não é mais definida em termos percentuais, bem como a base de cálculo do imposto não guarda relação com o valor da operação”. Em complemento, aponta que “não se esclarece como seria o cálculo da parcela do FECP sobre o ICMS monofásico devido por substituição tributária”, além de a “modelagem de cálculo e de prestação de informações” serem “incompatíveis com as regras de validação da nota fiscal eletrônica” e com as “as regras de repasses do ICMS monofásico contidas no Sistema de Captação e Auditoria dos Anexos de Combustíveis no sistema – SCANC”.
Em razão do exposto, requer o impugnante que “o entendimento consignado na ‘Resposta REVISADA Consulta nº 054/2’ seja revisado” e que “eventual diretriz pela destinação de parcela do ICMS sobre os combustíveis sujeitos a monofasia sejam acompanhados de detalhamento da forma como operacionalizar no ambiente de nota fiscal eletrônica, escrituração fiscal digital e do SCANC”.
É o relatório.
[1] “Art. 39. Compete à Coordenadoria de Consultas Jurídico-Tributárias: I - instruir e decidir processo referente a consulta sobre questão decorrente de interpretação da legislação tributária;”. Secretaria de Estado de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro. Resolução SEFAZ nº 414, de 25 de julho de 2022. Disponível em WCC – Legislação. Acesso em 20 jan. 2024.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Preliminarmente, saliente-se que nos termos do inciso III do art. 3º da Lei Complementar nº 69/1990, é função atribuída privativamente aos titulares dos cargos de Auditor Fiscal da Receita do Estado do Rio de Janeiro a emissão de “parecer em processos de consulta e de regime especial”[1]. Por sua vez, o art. 276 do Decreto-lei nº 05/1975 (Código Tributário Estadual - CTE) dispõe acerca do instituto da Consulta Tributária neste Estado nos seguintes termos[2]:
Art. 276. As decisões no processo de consulta, em primeira instância e em grau de recurso, serão proferidas pelo órgão competente da Secretaria de Estado de Economia e Finanças, com observância da orientação normativa fixada pelo respectivo Secretário. (grifos não existentes no original)
Dessa forma, evidencia-se que no âmbito do processo de consulta jurídico-tributária do Estado do Rio de Janeiro o sujeito passivo possui direito legal ao acesso a duas instâncias administrativas (art. 276 do Decreto-lei nº 05/1975), sendo requisito necessário que o ato decisório seja precedido de parecer expedido por Auditor Fiscal da Receita do Estado do Rio de Janeiro (inciso III do art. 3º da Lei Complementar nº 69/1990). O CTE não determina qual é o órgão da pasta fazendária ao qual devem ser atribuídas as competências em primeira instância e em grau recursal, para a aludida manifestação jurídica quanto ao sentido e alcance da legislação tributária aplicável, diante de dúvida formulada pelo sujeito passivo à luz do caso concreto. A matéria é disciplinada atualmente no âmbito do Poder Executivo, especialmente na citada Resolução SEFAZ nº 414/22.
Nesse contexto, é importante salientar que desde a edição da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) o Supremo Tribunal Federal (STF) tem decidido no sentido de que NÃO há garantia CONSTITUCIONAL a duplo grau de jurisdição administrativa. Nesse sentido, entre outros, vide RE nº 169.077/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Octávio Gallotti, DJ 27/3/98; AI nº 513.055/SP–AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJe de 8/4/05; RHC nº 79.785/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 22/22/01; RE nº 460.162/RS–AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 12/3/09; AG. REG. no RE 976.178/PR, Segunda Turma, Rel. Dias Toffoli.
Não obstante essa jurisprudência consolidada no âmbito da Suprema Corte quanto à interpretação da norma fundamental, aspecto relevante ao deslinde na matéria posta nos autos do presente administrativo foi apreciado no bojo do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 1.976/DF, na qual se discutiu a possibilidade de se exigir garantia prévia como condição de acesso ao recurso administrativo[3]. O plenário da Corte, por maioria de votos, decidiu no sentido da inconstitucionalidade do art. 32 da MP 1699-41 - posteriormente convertida na Lei nº 10.522/2002 -, que deu nova redação ao art. 33, § 2°, do Decreto 70.235/72, tendo em vista que a “exigência de depósito ou arrolamento prévio de bens e direitos pode converter-se, na prática, em determinadas situações, em supressão do direito de recorrer, constituindo-se, assim, em nítida violação ao princípio da proporcionalidade”[4]. O relator da ação, Ministro Joaquim Barbosa, indicou que existindo a previsão de recurso administrativo
na legislação pertinente, COMO É O CASO DO ART. 276 DO DECRETO-LEI Nº 05/1975, passa a ser direito subjetivo do sujeito passivo acessá-lo, sem óbices (como o depósito recursal), tendo em vista a garantia do direito à petição (art. 5º, XXXIV da CRFB/88) e do contraditório (art. 5º, LV da CRRFB/88). Em suma, parece-me que na hipótese de existir previsão de instância recursal em ato do Parlamento estadual o atendimento ao devido processo legal pressupõe que o processo de consulta seja apreciado em duas instâncias administrativas no âmbito desta SEFAZ.
Nessa linha, entende-se que no Estado do Rio de Janeiro o sujeito passivo possui direito legal ao acesso a duas instâncias administrativas diante do disposto no art. 276 do Decreto-lei nº 05/1975, sendo requisito necessário que o ato decisório seja precedido de parecer expedido por Auditor Fiscal da Receita do Estado do Rio de Janeiro, tendo em vista o comando inserto no mencionado inciso III do art. 3º da Lei Complementar nº 69/1990.
Considerando o exposto, em conjunto com a disciplina fixada nos artigos 37 e 39 da Resolução SEFAZ nº 414/22 entende-se que na hipótese de decisão de consulta em primeira instância proferida pelo próprio Superintendente de Tributação, na situação na qual a autoridade máxima da SUT diverge do posicionamento inicialmente exarado pelo Coordenador de Consultas Jurídico-Tributárias, o recurso administrativo deve ser processado e decidido no âmbito da Subsecretaria de Estado de Receita. Isso porque, apesar da garantia ao duplo grau administrativo, não cabe manifestação adicional no âmbito desta Superintendência de Tributação acerca do tema de fundo posto nos autos, isto é, quanto à incidência do adicional ao FECP no caso de incidência do ICMS monofásico, tendo em vista o disposto no art. 279 do Decreto-lei nº 05/75, o qual estabelece:
Art. 279. Não cabe pedido de reconsideração da decisão de consulta em primeira e segunda instâncias.
Na mesma linha aponta Decreto nº 2.473/1979, o qual regulamenta o processo administrativo tributário no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, reproduzindo o disposto no transcrito art. 279 CTE, nos mesmos termos, em seu art. 157, o qual dispõe verbis:
Art. 157. Não cabe pedido de reconsideração da decisão proferida, em primeira e segunda instâncias, no processo de consulta.
Assim sendo, considerando o disposto na legislação tributária disponível, à luz do entendimento expresso pelo Supremo Tribunal Federal quanto ao tema, entende-se que, por não caber pedido de reconsideração da decisão já prolatada pelo Superintendente de Tributação em primeira instância, tampouco manifestação pela CCJT quanto às alegações recursais, a decisão de segunda instância prevista no art. 276 do CTE, a ser proferida pelo Subsecretário de Estado de Receita, deve ser precedida de “parecer” exarado por Auditor Fiscal da Receita do Estado do Rio de Janeiro lotado na própria Subsecretaria, no qual seja apreciado o mérito do recurso do sujeito passivo. Corrobora a interpretação nesse sentido o disposto no art. 57 da Lei nº 5.427/2009[5], segundo o qual, como regra geral, o “julgamento do recurso administrativo caberá à autoridade ou órgão imediatamente superior àquela que houver proferido a decisão recorrida, salvo expressa disposição legal ou regulamentar em sentido diverso”. Considerando inexistir previsão normativa em sentido contrário, e tendo em vista o contido no mencionado §2º do artigo 37 do Anexo à Resolução SEFAZ n.º 414/2022, considera-se ser esta a solução mais adequada ao caso sob exame.
[1] BRASIL. Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Lei Complementar nº 69, de 19 de novembro de 1990. Disponível em alerj.rj.gov.br. Acesso em 22 jan. 2024.
[2] BRASIL. Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Decreto-lei nº 05, de 15 de março de 1975. Disponível em alerj.rj.gov.br. Acesso em 22 jan. 2024.
[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 1976/DF. Disponível em stf.jus.br. Acesso em 20 jan. 2024.
[4] A parte relevante da ementa dispõe: “A exigência de depósito ou arrolamento prévio de bens e direitos como condição de admissibilidade de recurso administrativo constitui obstáculo sério (e intransponível, para consideráveis parcelas da população) ao exercício do direito de petição (CF, art. 5o, XXXIV), além de caracterizar ofensa ao princípio do contraditório (CF, art. 5o, LV). A exigência de depósito ou arrolamento prévio de bens e direitos pode converter-se, na prática, em determinadas situações, em supressão do direito de recorrer, constituindo-se, assim, em nítida violação ao princípio da proporcionalidade. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 32 da MP 1699-41 - posteriormente convertida na lei 10.522/2002 -, que deu nova redação ao art. 33, § 2°, do Decreto 70.235/72.”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 1976/DF. Disponível em stf.jus.br. Acesso em 20 jan. 2024.
[5] “Art. 57. O julgamento do recurso administrativo caberá à autoridade ou órgão imediatamente superior àquela que houver proferido a decisão recorrida, salvo expressa disposição legal ou regulamentar em sentido diverso.
§1º Apresentado o recurso, o órgão ou autoridade administrativa poderá modificar, fundamentadamente, a sua decisão no prazo de cinco dias úteis. Não o fazendo, deverá encaminhar o processo ao órgão ou autoridade competente para julgamento do recurso.
§2º Não sendo encaminhado o recurso ao órgão ou autoridade no prazo previsto no caput deste artigo, o interessado poderá reclamar diretamente contra o retardo ou negativa de seguimento, por qualquer meio, inclusive eletrônico, desde que documentado.
§3º Não havendo justo motivo, a autoridade que der causa ao atraso será responsabilizada administrativamente, sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis.”.
III. CONCLUSÃO
Ante todo o exposto, especialmente o entendimento expresso pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 1.976/DF, o disposto nos artigos 37 e 39 da Resolução SEFAZ nº 414/22, no art. 57 da Lei nº 5.427/2009, no art. 279 do Decreto-lei nº 05/75 e no art. 157 do Decreto nº 2.473/1979, opino pelo encaminhamento dos autos à Subsecretaria de Receita para processamento e decisão em segunda instância quanto ao apelo interposto pelo contribuinte, considerando o entendimento no sentido de que sujeito passivo possui direito legal ao acesso a duas instâncias administrativas (art. 276 do Decreto-lei nº 05/1975), sendo requisito necessário que o ato decisório seja precedido por parecer expedido por Auditor Fiscal da Receita do Estado do Rio de Janeiro (inciso III do art. 3º da Lei Complementar nº 69/1990).
Em atendimento ao determinado no Despacho 67122570 SEFAZ/SUPTRIB, encaminhamos o Parecer 9 (67444476) do órgão técnico desta Coordenadoria, cujo teor manifestamos concordância.