Consulta nº 52 DE 21/07/2024

Norma Estadual - Rio de Janeiro - Publicado no DOE em 21 jul 2024

Indagação quanto à possibilidade da consulente usufurir do direito ao crédito do icms gerado em relação às operações objeto de regularização constante em termo de ajuste de conduta tributária (TAC).

RELATÓRIO

Trata o presente de consulta (doc. 35472418) formulada por contribuinte que firmou Termo de Ajustamento de Conduta Tributária (TACT) com a Secretaria de Estado de Fazenda (SEFAZ).

Após o início de vigência do TACT foi dirigido às Auditorias Fiscais Especializadas de Petróleo e Combustível – AFE 04 e de Receitas Não Tributárias – AFE 15 pedido de esclarecimento quanto à aplicação do Acordo, por meio da Carta CONTRIB/RNEMT/SSE 64/2021, protocolada sob o número SEI-12001/012318/2021 (doc. 35472426). Tendo em vista discordar do conteúdo da resposta obtida, e considerando que “o próprio parecer [da Fiscalização] coloca a ressalva que seu entendimento não possui efeito vinculante e que, para tal, o requerente deverá formalizar consulta tributária nos moldes dos arts. 150 a 165 do Decreto nº 2.473/1979.” (doc. 35472418), a empresa decidiu formular a presente consulta à Superintendência de Tributação (SUT).

De acordo com a consulente, ao firmar o TACT, “se comprometeu a não mais adotar a conduta descrita na Cláusula Primeira, passando a apurar e cumprir suas obrigações tributárias na forma do art. 2º do Convênio ICMS nº 51/20, de 30 de julho de 2020 e da Lei nº 9.041, de 02 de outubro de 2020, ou outra legislação que vier a lhe(s) substituir, tributando as operações de fornecimento interno à carga tributária final, líquida e equivalente de 4,5% (quatro inteiros vírgula cinco por cento) sobre o valor da operação, sem apropriação do crédito correspondente, nos termos do cláusula segunda do Convênio ICMS 51/20, de 30 de julho de 2020 e no art. 3º da Lei 9.041, de 02 de outubro de 2020, ou outra legislação que vier a lhe(s) substituir” (doc. 35472418) (grifo inexistente no original). No entanto, afirma que a redação que “constou no TACT celebrado entre as partes” “não restou claro a aplicabilidade de tal regra para os fatos geradores pretéritos, objeto de regularização e pagamento no programa de anistia previsto no Convênio ICMS 51/20” (doc. 35472418).

Nesse sentido, formulou as seguintes indagações:

16. Assim, considerando o exposto, se questiona:

16.1 Considerando que o acordo celebrado (TACT), em breve resumo, previa a aplicação de carga tributária de 4,5%, sem direito a crédito do ICMS, quando do fornecimento de bunker (ODM) às unidades afretadas da (consulente), bem como o exposto em especial nos itens 10 a 13[1], é possível que a (consulente) usufrua o direito ao crédito do imposto gerado em relação às operações objeto de regularização constante no TACT?

16.2 Havendo o entendimento da SEFAZ/RJ a respeito da possibilidade de crédito de ICMS em relação ao período autuado e objeto de denúncia espontânea, qual o procedimento que a (consulente) deverá realizar para utilização de tal crédito, eis que a legislação, em nossa análise, foi omissa sobre o tema, relembrando que não houve emissão de Nfe que evidenciasse a operação realizada, o que também gerou auto de infração (e regularizada por meio dos pagamentos citados)? Ou seja, quais os procedimentos que a empresa deverá adotar para operacionalizar o eventual crédito do imposto no caso em tela?

Portanto, a dúvida não diz respeito ao aproveitamento dos pagamentos realizados após a vigência do benefício de redução da base de cálculo do ICMS nas operações internas com óleo diesel marítimo (NCM 2710.19.2, CEST 06.006.08), de tal forma que a incidência do imposto resulte na aplicação do percentual de 4,5% (quatro inteiros e cinco décimos por cento) sobre o valor da operação. A indagação, na realidade, diz respeito à possibilidade – ou não – de fruição do “direito ao crédito do imposto gerado em relação às operações objeto de regularização constante no TACT”, isto é, a matéria objeto da consulta refere-se aos fatos geradores ocorridos em data anterior à entrada em vigor da Lei nº 9.041/2020, quitados com os benefícios conferidos sob o lastro dos Convênios ICMS nº 51/2020 e 90/2020 e à luz do novo regime de tributação aplicável às operações internas com óleo diesel marítimo.

A Auditoria Fiscal indica o cumprimento dos requisitos fixados nos arts. 151 e 152 do Decreto nº 2.473/79 em seu despacho (doc. 72535451), em observância ao disposto no art. 4º da Resolução SEFAZ nº 644/2024, norma que estabelece as competências das repartições fiscais que menciona relativamente a processos administrativo-tributário[2]:

Apresento as seguintes considerações:

(1) A consulta foi formulada por sujeito passivo da obrigação tributária (inc. I do art. 150 do PAT);

(2) Consulta formulada por escrito (documento nº 35472418), observando o disposto na seção III do Capítulo I, a saber: nome, razão social ou denominação do requerente, seu endereço, atividade profissional ou econômica e números de inscrição no Cadastro Fiscal do Estado e no Cadastro Fiscal Federal; pretensão e seus fundamentos, expostos com clareza e precisão; indicação, após a assinatura, do nome completo do signatário, do número e do órgão expedidor de sua carteira de identidade (art. 151 do PAT).

(3) Foi recolhida a Taxa de Serviços Estaduais Fazendários, conforme indexador 35472422 e 35472424;

(4) De acordo com o art. 152 do PAT, a consulta versa, apenas, sobre dúvidas ou circunstâncias atinentes à situação do consulente e foca a matéria de forma objetiva, clara e precisa, indicando: o fato sobre o qual versa; a data do fato gerador da obrigação tributária, e a interpretação dada pelo consulente às disposições legais ou regulamentares invocadas;

(5) Existem 64 RAF abertos no programa VERIFICAÇÃO DE ROYALTIES E PARTICIPAÇÕES ESPECIAIS. O programa é utilizado para verificação específica do correto recolhimento de royalties e participações especiais pelas empresas obrigadas a
efetuar tal recolhimento.

(6) A consulente não sofreu nenhuma autuação relacionada às dúvidas elencadas na presente consulta (inc. II do art. 3º da Resolução n.º 109/76);

(7) Não foram encontrados Autos de Infração pendentes de decisão para a empresa requerente que possuam relação com o objeto da consulta.

Assim, informo que as condições de admissibilidade da presente Consulta Tributária, nos termos dos artigos 150 e seguintes do PAT e da Resolução n.º 109/76, foram ATENDIDAS.

Isso posto, encaminhamento o presente feito à CCJT para apreciação dos questionamentos apontados pela requerente.

Merece destaque a afirmativa no sentido de que a “consulente não sofreu nenhuma autuação relacionada às dúvidas elencadas na presente consulta (inc. II do art. 3º da Resolução n.º 109/76)”. Apesar do exposto pela Fiscalização, considerando que não havia cópia do aludido TACT nos autos, cuja leitura considerou-se indispensável ao exame da matéria, foi solicitado (doc. 73088089) ao consulente que acostasse ao presente a íntegra do mencionado Acordo, para que fosse possível avaliar tanto os argumentos indicados pelo sujeito passivo como aqueles que foram apresentados pelas Auditorias Fiscais Especializadas de Petróleo e Combustível – AFE 04 e de Receitas Não Tributárias – AFE 15 nos autos do SEI-12001/012318/2021. Em 28/05/2024 foi anexado (doc. 75565332) aos autos uma cópia da íntegra do Termo de Ajustamento de Conduta Tributária (TACT), o qual deve ser interpretado à luz da legislação tributária aplicável à matéria, diante dos fatos apresentados.

É o relatório.

[1] Dispõem os citados itens 10 a 13: “10. Essa redação constou no TACT celebrado entre as partes e não restou claro a aplicabilidade de tal regra para os fatos geradores pretéritos, objeto de regularização e pagamento no programa de anistia previsto no Convênio ICMS 51/20.

11. Sabemos que as regras previstas em programas de anistia usualmente instituídos pelos Estados devem ser consideradas de forma restritiva, por se tratar de incentivo fiscal. Normalmente, quando os Estados permitem regularização de situações que podem ensejar crédito do imposto, tratam tais hipóteses como equivalentes a de créditos extemporâneos, sujeitos à solicitação, pelo contribuinte, por meio de pedido administrativo, com possibilidade até de compensação de forma parcelada, se deferido. Entretanto, não identificamos tal possibilidade na legislação do Estado do Rio de Janeiro.

12. Adicionalmente, no caso em tela, como relatado acima, as operações não ocorreram com emissão de notas fiscais que evidenciassem a movimentação e aplicação do produto bunker (ODM) em águas marítimas, em que pese a existência de tratamento tributário diferenciado à época dos fatos, que considerava a vinculação de todas as atividades de E&P centralizadas em um único CNPJ em terra.

13. Por fim, restou evidenciado nos processos administrativos relacionados aos autos de infração acima citados o entendimento da SEFAZ/RJ sobre a aplicação do bunker, que seria insumo do “serviço” prestado pelas contratadas à Petrobras e, nesse sentido, não seria passível de creditamento pela Petrobras. No máximo, seria admitido o crédito pela dona da embarcação, a qual se encontrava afretada à Petrobras, se tivesse ocorrido a venda do produto ao dono da embarcação e se o destinatário fosse contribuinte do imposto.” (doc. 35472418)

[2] “Art. 4º No pedido de consulta sobre matéria tributária, compete:

I – à unidade de cadastro a que estiver vinculado o sujeito passivo da obrigação ou, quando solicitado por entidades representativas de categorias econômicas ou profissionais ou por órgãos da administração pública em geral, à unidade de cadastro de circunscrição do seu domicílio, a recepção e verificação documental consoante os artigos 151 e 152 do Decreto nº 2.473/79;

II – à unidade de fiscalização competente, a instrução do processo com as informações exigidas no art. 3º da Resolução nº 109/76, bem como proceder as providências exigidas nos artigos 154 e 161 do Decreto nº 2.473/79 após decisão proferida pelo órgão integrante da Superintendência de Tributação”. BRASIL. Secretaria de Estado de Fazenda. Resolução SEFAZ nº 644/2024, de 24 de abril de 2024. Disponível em Legislação - Secretaria de Estado de Fazenda do Rio de Janeiro. Acesso em 07 de jun. 2024.

ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO

Preliminarmente, saliente-se que o aludido procedimento consultivo do contribuinte junto às Auditorias Fiscais Especializadas, formulado por meio da Carta CONTRIB/RNEMT/SSE 64/2021, protocolada sob o número SEI-12001/012318/2021 (doc. 35472426), não se encontra expressamente previsto no mencionado TACT (doc. 75565332), tampouco nos arts. 150 a 165 do Decreto 2473/1979, dispositivos que disciplinam o instituto da Consulta Tributária prevista no art. 273 do Decreto-lei 05/1975.
Ainda em caráter liminar, é imprescindível ressaltar que a mencionada Lei nº 9.041/2020[1] internaliza os Convênios ICMS nº 51/2020 e 90/2020[2], e estabelece condições à anistia autorizada e os requisitos necessários à fruição da redução de base de cálculo prevista nas aludidas normas conveniais. A Lei estadual é resultado da aprovação do Projeto de Lei nº 3.158/2020[3], enviado pelo Poder Executivo em regime de urgência pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ).

A legislação em apreço dispõe especificamente sobre: (1) a redução de juros e multas das empresas de extração de petróleo e gás natural, processamento de gás natural e fabricação de produtos do refino do petróleo (art. 2º da Lei estadual, regulamentado pelo Decreto nº 47.332/2020 ), e (2) redução da base de cálculo do ICMS, de forma que a incidência do ICMS resulte na aplicação da alíquota de 4,5% nas operações internas com óleo de diesel marítimo (art. 3º da Lei estadual, regulamentado pelo Decreto nº 47.762/2021). No Manual de Diferimento, Ampliação de Prazo de Recolhimento, Suspensão e de Incentivos e Benefícios de Natureza Tributária, aprovado pelo Decreto nº 27.815/2001, o benefício previsto no art. 3º da Lei nº 9.041/2020 é também qualificado como “redução da base de cálculo”, tendo como termo final o dia 31/12/2040.

O aproveitamento do crédito quanto aos valores pagos no bojo do regime autorizado por meio dos Convênios ICMS nº 51/2020 e 90/2020 está expressamente vedado pelo § 6º do art. 2º da Lei nº 9.041/2020[4], artigo que prevê a redução em até 90% (noventa por cento) dos juros e em até 90% (noventa por cento) das multas relativos a créditos tributários vencidos decorrentes de lançamentos ou glosas de créditos fiscais e disciplina de forma expressa que “não ensejarão o aproveitamento de quaisquer créditos de ICMS pelo contribuinte, e também não implicam outras obrigações acessórias que não as expressamente previstas nesta Lei ou no TACT de que trata § 1º deste artigo”. Nesses termos, entende-se que a pretensão da consulente, de usufruir do “direito ao crédito do imposto gerado em relação às operações objeto de regularização constante no TACT” está expressamente vedada pelo citado § 6º do art. 2º da Lei nº 9.041/2020. De fato, na própria divulgação da aprovação do citado Projeto de Lei nº 3.158/2020 pela ALERJ revela-se a impossibilidade de aproveitamento do mencionado crédito nos seguintes termos[5]:

Termo de Ajuste de Conduta Tributária

As empresas que desejarem reduzir seus débitos de juros e multas em até 90% deverão celebrar com o Poder Executivo um Termo de Ajuste de Conduta Tributária (TACT), cujo requerimento terá que ser feito até o dia 7 de dezembro de 2020. O documento deverá indicar, detalhadamente, quais as divergências de interpretação e respectivos créditos tributários abrangidos, bem como os processos administrativos ou judiciais envolvidos.

As empresas não precisarão apresentar garantia ou arrolamento de bens para firmar o termo.

O pagamento das dívidas poderá ser feito à vista, em até 15 dias desde a celebração do termo, ou de forma parcelada. Neste caso, a primeira parcela será de pelo menos 50% do valor total do parcelamento, devendo o último pagamento ser feito até 15 de dezembro de 2020. Para ter direito ao benefício, o contribuinte deverá confessar de forma irrevogável e irretratável todos os seus débitos fiscais, bem como se comprometer a adotar condutas conforme à legislação tributária vigente, bem como da que vier a substituí-la.

A lei não se aplica aos créditos que tenham sofrido redução em virtude de anistia ou de outros programas de remissão, total ou parcial, concedidos no âmbito do Estado do Rio de Janeiro. Perderão o benefício, os contribuintes que não realizarem o pagamento em dia da parcela inicial, bem como os que ficarem inadimplentes por mais de 30 dias em qualquer das parcelas posteriores à inicial.

O descumprimento das legislações tributárias, por prazo de até cinco anos da data da celebração do TACT, sujeitará o contribuinte a multa administrativa correspondente a 100% do valor relativo às reduções previstas, acrescida dos juros previstos no Decreto- Lei 5/75, a partir da data da celebração. Os pagamentos realizados com os benefícios de redução de que trata esta norma não proporcionarão o aproveitamento de quaisquer créditos de ICMS pelo contribuinte, e também não implicará em outras obrigações acessórias que não as expressamente previstas nesta medida ou nos termos de ajuste de conduta. O Poder Executivo deverá regulamentar a norma por meio de decretos. (grifo inexistente no original).

Portanto, era de conhecimento público tendo sido amplamente divulgada a impossibilidade de fruição do alegado “direito ao crédito do imposto gerado em relação às operações objeto de regularização constante no TACT”, considerando o disposto no § 6º do art. 2º da Lei nº 9.041/2020, o qual estabelece, repise-se, que “os pagamentos realizados com os benefícios de redução de que trata o caput” do artigo “não ensejarão o aproveitamento de quaisquer créditos de ICMS pelo contribuinte”.

Ainda, mesmo que inexistente referida vedação estabelecida no § 6º do art. 2º da Lei nº 9.041/2020, dispositivo que regula “a redução em até 90% (noventa por cento) dos juros e em até 90% (noventa por cento) das multas relativos a créditos tributários vencidos decorrentes de lançamentos ou glosas de créditos fiscais dos contribuintes”, como dito, também seria vedado o aproveitamento de créditos decorrentes dos pagamentos realizados pela consulente em relação “às operações objeto de regularização constante no TACT”, conforme será a seguir demonstrado.

Com efeito, a mencionada redução de base de cálculo é prevista no art. 3º da Lei nº 9.041/2020 nos seguintes termos:

Art. 3º Fica concedida redução da base de cálculo do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS - nas operações internas com óleo diesel marítimo (NCM 2710.19.2, CEST 06.006.08) a ser consumido pelas embarcações destinadas às atividades de pesquisa, exploração ou produção de petróleo e gás natural e movimentação logística de petróleo e derivados, de tal forma que a incidência do imposto resulte na aplicação do percentual de 4,5% (quatro inteiros e cinco décimos por cento) sobre o valor da operação, sem apropriação do crédito correspondente pelo adquirente final.

Parágrafo único. Observado o disposto no caput, o contribuinte que realizar operação interna com óleo diesel marítimo deverá realizar o estorno proporcional dos créditos relativos à entrada. (grifos inexistentes no original)

Portanto, no que alude às operações realizadas após a vigência do regime tributário previsto na Lei nº 9.041/2020, não pode haver “apropriação do crédito correspondente pelo adquirente final”. Ainda, nos termos do parágrafo único do transcrito art. 3º o fornecedor que promove a operação interna com óleo diesel marítimo a partir da aplicabilidade da redução da base de cálculo autorizada pela Cláusula Segunda do Convênio ICMS nº 51/2020 tem o dever de realizar “o estorno proporcional dos créditos relativos à entrada”. Assim sendo, ao contrário do que sustenta a consulente, não me parece plausível, de acordo com o disposto na legislação em apreço, que sejam apropriados outros créditos para além do montante estritamente necessário à “incidência do imposto” que “resulte na aplicação do percentual de 4,5% (quatro inteiros e cinco décimos por cento) sobre o valor da operação”, tendo o crédito como origem operações realizadas antes ou após a entrada em vigor da Lei nº 9.041/2020.

Dito de outra forma, ainda que inexistente referida vedação prevista no§ 6º do art. 2º da Lei nº 9.041/2020, de acordo com o que se extrai do art. 3º da Lei nº 9.041/2020, isoladamente, há limite objetivo ao montante do crédito a ser apropriado pela consulente a partir da vigência da redução da base de cálculo, motivo pelo qual, sob esta perspectiva, também não encontro razão para que a consulente “usufrua o direito ao crédito do imposto gerado em relação às operações objeto de regularização constante no TACT”, caso o valor ultrapasse o montante estritamente necessário a ensejar que “a incidência do imposto resulte na aplicação do percentual de 4,5% (quatro inteiros e cinco décimos por cento) sobre o valor da operação”.

É importante destacar que o aludido dispositivo da Lei nº 9.041/2020 (art. 3º) foi regulamentado pelo Decreto nº 47.762/2021, cujo §1º do art. 3º repete o disposto na lei, ao indicar que o “contribuinte que realizar operação interna de saída com óleo diesel marítimo, nos termos do caput, deve estornar, proporcionalmente, os créditos relativos à entrada”. Nesse sentido, tendo em vista o que foi até aqui examinado, de acordo com o que se extrai do disposto no art. 3º da Lei nº 9.041/2020 e do Decreto nº 47.762/2021, entendo que não assiste razão à consulente, mesmo que fosse suprimida a vedação prevista no§ 6º do art. 2º da Lei nº 9.041/2020.

Mas não são apenas estes argumentos que corroboram no sentido da inviabilidade da interpretação conferida pela consulente. Aprofundando a análise, percebe-se, em síntese, que de acordo com a Lei nº 9.041/2020 as empresas que desejassem reduzir seus débitos de juros e multas em até 90% deveriam celebrar com o Poder Executivo um Termo de Ajuste de Conduta Tributária (TACT), cujo requerimento teria que ser realizado até o dia 7 de dezembro de 2020. No TACT firmado pela consulente, o qual contém 6 (seis) Cláusulas, foram indicados (doc. 75565332), detalhadamente, as divergências de interpretação e respectivos créditos tributários abrangidos, bem como os processos administrativos envolvidos.

Na Cláusula primeira do TACT são descritas as condutas adotadas pela consulente até setembro de 2020, as quais deveriam ser objeto de tributação pelo ICMS de acordo com o entendimento do Fisco estadual. Além da divergência quanto à incidência do imposto estadual no fornecimentointerno de diesel marítimo (NCM 2710.19.2, CEST 06.006.08) para unidades marítimas afretadas pela consulente destinadas às atividades de exploração e produção (E&P) de petróleo e gás natural a empresa atesta que “não emitiu as notas fiscais documentando as movimentações para abastecimento dessas unidades marítimas” (alínea a da Cláusula Primeira). Segundo o entendimento da consulente, sendo a empresa produtora do óleo diesel em suas filiais de refino, seria contratualmente possível assumir a posição de supridora das unidades marítimas afretadas para o segmento de E&P - exploração e produção de petróleo e gás natural, procedimento que se caracteriza como “autoconsumo” e não venda, não sendo necessária assim a emissão de nota fiscal. Por outro lado, segundo “o entendimento do fisco estadual, nos afretamentos por tempo, sendo a gestão náutica das unidades marítimas realizada por terceiros” que não a própria consulente, “deveria haver fornecimento tributado pelo ICMS”, razão pela qual seria necessária a emissão do documento fiscal com destaque do imposto. Portanto, constata-se que o contribuinte não emitiu documentos fiscais em relação às operações realizadas
anteriormente à entrada em vigor do regime de que trata a Lei nº 9.041/2020 e Convênio ICMS nº 51/2020.

Já na Cláusula Segunda são descritos e pormenorizados os valores dos autos de infração lavrados sem a anistia, aqueles incluídos na composição formalizada por meio do TACT e outros que não faziam parte acordo, os quais, de acordo com a consulente, estariam fora do alcance do lançamento fiscal por força de decadência. Na Cláusula Terceira são descritos os compromissos a serem adotados pela consulente no que alude ao regime jurídico-tributário fixado na Lei nº 9.041/2020 e Convênio ICMS nº 51/2020. Por sua vez, na Cláusula Quarta são previstas as consequências de descumprimento do que foi acordado por meio do TACT.

A Cláusula Quinta prevê que o compromisso tem vigência de até 05 (cinco) anos da data de sua publicação, ao passo que a Cláusula Sexta elege o foro da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro como competente para dirimir as questões do compromisso. Quanto ao disposto na Cláusula Sexta, deve-se salientar as delimitações das questões postas à apreciação desta Coordenadoria de Consultas Jurídico-Tributária (CCJT) à luz do contido no mencionado TACT, e da legislação estadual que confere competências a este órgão de Consultoria Tributária, as quais estão fixadas no art. 39 do Capítulo II do Anexo da Resolução SEFAZ nº 414/2022. Com efeito, apesar de não ser atribuição específica da CCJT solucionar controvérsia de que trata o TACT, é competência deste órgão da Superintendência de Tributação “instruir e decidir processo referente a consulta sobre questão decorrente de interpretação da legislação tributária”.

Nesse contexto, para fixação da orientação normativa da matéria posta na presente Consulta, é também imprescindível ressaltar que a legítima apropriação em sua escrituração fiscal digital (EFD) e o subsequente aproveitamento do crédito do ICMS para abatimento dos débitos pelo sujeito passivo que apura o imposto estadual pelo regime “normal” de compensação possui um conjunto de requisitos de naturezas distintas: (1) o primeiro grupo de caráter material; e (2) o segundo de cunho formal. Em outras palavras, nos termos da legislação tributária aplicável, o crédito a ser possivelmente escriturado em sua escrita fiscal pelo contribuinte, em observância à não cumulatividade, requer o cumprimento de múltiplas condições distintas, a serem
observadas concomitantemente.

Nessa linha, saliente-se que de acordo com a disciplina constitucional o crédito do ICMS na hipótese de regime de compensação é duplamente condicionado, isto é, salvo disposição expressa da legislação, somente há direito ao creditamento se as operações anteriores tenham sido efetivamente tributadas e se a ulterior saída ocorrer com incidência do imposto. A regra geral da exigibilidade do estorno de crédito decorre do disposto no inciso II do §2º do artigo 155 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), segundo o qual a isenção ou não incidência acarreta duas consequências, ou seja, há vedação ao crédito na etapa subsequente e o dever de anular o crédito relativo às operações e prestações antecedentes[6].

O art. 21, I, da Lei Complementar nº 87/96 disciplina a matéria, ao estabelecer que o sujeito passivo deve efetuar o estorno do imposto de que tiver se creditado sempre que “o serviço tomado ou a mercadoria entrada no estabelecimento” “for objeto de saída ou prestação de serviço não tributada ou isenta, sendo essa circunstância imprevisível na data da entrada da mercadoria ou da utilização do serviço”.

Saliente-se que o Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral (Tema 299 - Aproveitamento integral de créditos do ICMS pago na operação antecedente em hipóteses de redução parcial da base de cálculo na operação subsequente) já pacificou entendimento no sentido de que “a redução da base de cálculo de ICMS equivale à isenção parcial, o que acarreta a anulação proporcional de crédito relativo às operações anteriores, salvo disposição em lei estadual em sentido contrário”[7].

Nessa linha, em âmbito estadual, o caput do artigo 37 da Lei nº 2.657/96 regula a matéria nos seguintes termos:

Art. 37 - O contribuinte efetuará o estorno do imposto creditado sempre que o serviço tomado ou a mercadoria entrada no estabelecimento:

I - for objeto de saída ou prestação de serviço não tributado ou isenta, sendo esta circunstância imprevisível na data da entrada da mercadoria ou da utilização do serviço;

II - for integrada ou consumida em processo de industrialização, quando a saída do produto resultante não for tributada ou estiver isenta do imposto;

III - vier a ser utilizada em fim alheio à atividade do estabelecimento;

IV - vier a parecer, deteriorar-se ou extraviar-se;

V - gozar de redução da base de cálculo na operação ou prestação subsequente, hipótese em que o estorno será proporcional à redução.

Pelo exposto, o inciso V do art. 37 da Lei nº 2.657/96 disciplina o tema da mesma forma em que decidido pelo Supremo Tribunal Federal, e na mesma linha do disposto no citado parágrafo único do art. 3º da Lei nº 9.041/2020, dispositivos que exigem o estorno proporcional do crédito, razão pela qual, repise-se, o fornecedor que promove a operação interna com óleo diesel marítimo, a partir da vigência da redução da base de cálculo autorizada pela Cláusula Segunda do Convênio ICMS nº 51/2020, tem o dever de realizar “o estorno proporcional dos créditos relativos à entrada”. Assim sendo, de acordo com o disposto na legislação em apreço e da jurisprudência pacificada no âmbito do STF, não me parece haver razão para que, após a vigência do regime tributário criado pela Lei nº 9.041/2020, haja apropriação pela consulente de outros créditos para além do montante estritamente necessário à “incidência do imposto” que “resulte na aplicação do percentual de 4,5% (quatro inteiros e cinco décimos por cento) sobre o valor da operação”.

Além deste aspecto material, conforme já salientado, não basta que as operações realizadas pelos fornecedores tenham sido efetivamente tributadas e as saídas do sujeito passivo ocorram com a incidência do imposto, tendo em vista também ser necessário verificar a legitimidade da documentação fiscal que ampara o direito ao crédito. Nesse sentido aponta o art. 34 da mesma Lei nº 2.657/96, nos seguintes termos:

Art. 34. O direito ao crédito é condicionado à idoneidade da documentação e à sua regular escrituração, nos prazos e condições estabelecidos na legislação.

Parágrafo único. O direito de utilizar o crédito extingue-se depois de decorridos cinco anos contados da data de emissão do documento.

Portanto, é requisito ao crédito do ICMS a idoneidade da documentação e à sua regular escrituração, nos prazos e condições estabelecidos na legislação, condição a ser verificada no plano dos fatos pela Fiscalização. Dessa forma, considerando inexistir qualquer ressalva quanto aos requisitos fixados na legislação específica em apreço relativamente ao crédito do ICMS, tampouco no mencionado Termo de Ajustamento de Conduta Tributária (TACT), também sob esta perspectiva entendo não assistir razão ao argumento no sentido de que o consulente possa usufruir do “direito ao crédito do imposto gerado em relação às operações objeto de regularização constante no TACT”.

Com efeito, conforme ressaltado em outras ocasiões, entendo que os benefícios fiscais devem, necessariamente, estar expressos na norma que confere o tratamento que excepciona a tributação ou concede favor tributário, não sendo papel do intérprete construir teses heterodoxas ou sentidos que não estejam indicados na lei concessiva específica de forma clara, direta, objetiva e inequívoca. De fato o §6º do art. 150 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 aponta nesse sentido, ao indicar que “qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.”

[1] “Art. 1º Esta Lei internaliza o Convênio ICMS 51/20, de 30 de julho de 2020, que ‘Autoriza as unidades federadas que menciona a conceder redução da base de cálculo do ICMS nas operações internas com óleo diesel marítimo (NCM 2710.19.2, CEST 06.006.08), de tal forma que a incidência do imposto resulte na aplicação do percentual de 4,5% (quatro inteiros e cinco décimos por cento) sobre o valor da operação, com as alterações promovidas pelo Convênio ICMS 90/20, de 02 de setembro de 2020, nos termos do art. 1º da Lei nº 8.926, de 8 de julho de 2020.

Art. 2º Fica concedida a redução em até 90% (noventa por cento) dos juros e em até 90% (noventa por cento) das multas relativos a créditos tributários vencidos decorrentes de lançamentos ou glosas de créditos fiscais dos contribuintes que desempenham as atividades econômicas de extração de petróleo e gás natural e processamento de gás natural, classificadas nos códigos 0600-0/01 e 3520-4/01 da Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE, bem como da atividade econômica de fabricação de produtos do refino de petróleo, classificada no código 1921-7/00 da CNAE, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa, inclusive os ajuizados, em relação aos fatos geradores ocorridos até 30 de setembro de 2020, desde que observado o disposto na cláusula primeira do Convênio ICMS 51/20, com a alteração promovida pelo Convênio ICMS 90/20, e neste artigo.”. BRASIL. Estado do Rio de Janeiro. Lei estadual nº 9.041, de 02 de outubro de 2020. Disponível em leisestaduais.com.br. Acesso em 08 de jun. 2024.

[2] BRASIL. Conselho Nacional de Política Fazendária. Convênio ICMS 51/2020, de 30 de julho de 2020.

Disponível em fazenda.gov.br. Acesso em 08 de jun. 2024. O Convênio ICMS 14/2021 prorrogou o prazo de produção de efeitos da cláusula primeira do Convênio ICMS 51/20. BRASIL. Conselho Nacional de Política Fazendária. Convênio ICMS 14/2021, de 26 de fevereiro de 2021. Disponível em fazenda.gov.br. Acesso em 08 de jun. 2024.

[3] BRASIL. Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Projeto de Lei nº 3.158/2020. Disponível em alerj.rj.gov.br. Acesso em 08 de jun. 2024.

[4] “Art. 2º (...) § 6º Os pagamentos realizados com os benefícios de redução de que trata o caput deste artigo não ensejarão o aproveitamento de quaisquer créditos de ICMS pelo contribuinte, e também não implicam outras obrigações acessórias que não as expressamente previstas nesta Lei ou no TACT de que trata § 1º deste artigo.”. BRASIL. Estado do Rio de Janeiro. Lei estadual nº 9.041, de 02 de outubro de 2020. Disponível em leisestaduais.com.br. Acesso em 08 de jun. 2024.

[5] BRASIL. Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Agora é lei: norma reduz até 90% dos juros e das multas das empresas de extração de petróleo e gás natural. 05/10/2020. Disponível em alerj.rj.gov.br. Acesso em 08 de jun. 2024.

[6] Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

(...)

§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:

a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;

b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores; (...)”

[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Leading case RE 635688. Disponível em stf.jus.br. Acesso em 09 de jun. 2024.

RESPOSTA

Ante todo o exposto, considerando as competências deste órgão, fixadas no art. 39 do Capítulo II do Anexo da Resolução SEFAZ nº 414/2022, respondendo objetivamente às questões postas nos autos:

1) 16.1 Considerando que o acordo celebrado (TACT), em breve resumo, previa a aplicação de carga tributária de 4,5%, sem direito a crédito do ICMS, quando do fornecimento de bunker (ODM) às unidades afretadas da (consulente), bem como o exposto em especial nos itens 10 a 13, é possível que a (consulente) usufrua o direito ao crédito do imposto gerado em relação às operações objeto de regularização constante no TACT?

Não, considerando o disposto no § 6º do art. 2º da lei nº 9.041/2020, o qual estabelece que “os pagamentos realizados com os benefícios de redução de que trata o caput” do artigo “não ensejarão o aproveitamento de quaisquer créditos de ICMS pelo
contribuinte”. Com efeito, conforme demonstrado, ainda que inexistente tal vedação não seria legítima a fruição do alegado “direito ao crédito do imposto gerado em relação às operações objeto de regularização constante no TACT” diante do disposto no art. 34 da Lei nº 2.657/1996, o qual prescreve que é requisito ao crédito do ICMS “a idoneidade da documentação e à sua regular escrituração, nos prazos e condições estabelecidos na legislação”, e tendo em vista, ainda, que após a vigência do regime tributário previsto no art. 3º da Lei nº 9.041/2020 não podem ser apropriados outros créditos para além do montante estritamente necessário à “incidência do imposto” que “resulte na aplicação do percentual de 4,5% (quatro inteiros e cinco décimos por cento) sobre o valor da operação”.

2) 16.2 Havendo o entendimento da SEFAZ/RJ a respeito da possibilidade de crédito de ICMS em relação ao período autuado e objeto de denúncia espontânea, qual o procedimento que a (consulente) deverá realizar para utilização de tal crédito, eis que a legislação, em nossa análise, foi omissa sobre o tema, relembrando que não houve emissão de Nfe que evidenciasse a operação realizada, o que também gerou auto de infração (e regularizada por meio dos pagamentos citados)? Ou seja, quais osprocedimentos que a empresa deverá adotar para operacionalizar o eventual crédito do imposto no caso em tela?

Prejudicada.

Por fim, considerando a possível repercussão geral e/ou grande impacto da resposta desta Consulta, sugiro seja submetida a avaliação da matéria posta nos autos à Subsecretaria de Estado de Receita, haja vista o disposto no § 2º do art. 37 da do Capítulo II do Anexo da Resolução SEFAZ nº 414/2022.

É o parecer.

[1] 2º As decisões emanadas no âmbito da Superintendência de Tributação, que causem grande impacto e repercussão geral, deverão ser previamente apreciadas pela Subsecretaria de Estado de Receita antes da produção de efetivos efeitos.

[2] Art. 154. Respondida a consulta, o processo será devolvido à repartição de origem, para que esta cientifique o consulente, intimando-o, quando for o caso, a adotar o entendimento da administração e recolher o tributo porventura devido em prazo não inferior a 15 (quinze) dias.