Consulta SEFA nº 47 DE 07/07/2020
Norma Estadual - Paraná - Publicado no DOE em 07 jul 2020
ICMS. CONSULTA. OPERAÇÃO DE DROP-DROWN DE ESTABELECIMENTO. SALDO CREDOR. TRANSFERÊNCIA. ESPECIFICIDADES FÁTICAS. IMPOSSIBILIDADE.
CONSULENTE: ABB LTDA.
SÚMULA: ICMS. CONSULTA. OPERAÇÃO DE DROP-DROWN DE ESTABELECIMENTO. SALDO CREDOR. TRANSFERÊNCIA. ESPECIFICIDADES FÁTICAS. IMPOSSIBILIDADE.
RELATOR: LUÍS CARLOS CARRANZA
A consulente informa que o conjunto dos estabelecimentos da empresa atua no setor de tecnologia, com atividades que identifica como Eletrificação (EP), Automação Industrial (IA), Redes de Alta Tensão (PG) e Motores Elétricos e Robôs (RM), sendo que o estabelecimento sediado em Curitiba, antes identificado, exerce exclusivamente a última (RM).
Expõe que será promovida uma reestruturação societária em âmbito global na empresa, de maneira que toda a atividade de Motores Elétricos e Robôs (RM) desenvolvida pela consulente será destinada a uma nova empresa, ABB Automação Ltda., a qual manterá, com novo CNPJ, mas sem alterações, suas atividades no mesmo local do estabelecimento consulente, isto é, Rua Comendador Araújo, nº 499, 10º andar, conjunto sala 1003, Centro, Curitiba/PR.
Destaca que essa operação, denominada “drop-down”, significa que a ABB Ltda constituirá uma nova pessoa jurídica, na qualidade de subsidiária integral, e integralizará o seu capital social com o ativo e passivo correspondente a toda atividade de RM. Considera, no caso, ainda que referida modalidade seja atípica e não tenha previsão específica no ordenamento pátrio, que se trata igualmente de uma sucessão tributária, decorrente da cessão de direitos e obrigações do estabelecimento, ao abrigo da não-incidência prevista no inciso VI do artigo 3º da Lei Complementar nº 87/1996.
Dado isso, a consulente entende que, também por congruência ao disposto no artigo 340 do Regulamento do ICMS, inobstante a ausência de outras disposições específicas, à medida que se transferem os direitos e as obrigações, o saldo credor existente na conta-gráfica do estabelecimento transferente pode ser naturalmente aproveitado pelo estabelecimento sucessor, a partir da mencionada operação de “drop-down”.
Explica, ainda, que seu estabelecimento realiza corriqueiramente operações essenciais como a remessa para reparo, a remessa para armazenagem, a industrialização por conta e ordem, o faturamento antecipado, além da necessidade de emitir notas fiscais complementares.
Essas operações, aduz, seguirão ocorrendo durante todo o processamento do “drop-down”, trazendo consequências operacionais e documentais, inclusive quando esse processo se configurar concluído, de forma que, por não estarem completas, há necessidade de que operações iniciadas pelo estabelecimento da ABB Ltda. sejam concluídas já em relação ao estabelecimento da ABB Automação Ltda.
Com isso, as notas fiscais emitidas para finalização dessas operações, destinadas à sucessora, indicariam detalhadamente a situação no campo das “Informações Complementares” e fariam referência à chave de acesso das notas fiscais de remessa antes emitidas.
A consulente compreende, também, que no caso de fornecedores ou clientes emitirem, por desconhecimento, documentos fiscais preenchidos equivocadamente com os dados da sucedida, poderia a sucessora receber normalmente as respectivas mercadorias.
Assim, indaga, em seus próprios termos:
a) Está correta a interpretação da Consulente acerca da possibilidade de transferência integral de seu saldo credor de ICMS, juntamente com todos os demais direitos e obrigações, para a empresa ABB Automação Ltda., por meio da operação de “drop-down”?
b) Em caso de positiva a resposta ao questionamento anterior, está correto o entendimento da Consulente de que a transferência dos livros fiscais à sucessora já seria suficiente para o transporte do saldo credor do ICMS?
c) Em caso de negativa a resposta ao questionamento anterior, haveria procedimento específico quanto à escrituração do referido saldo credor?
d) Está correta a interpretação da Consulente de que a empresa sucessora poderá concluir as operações iniciadas pela ABB Ltda., anteriormente e durante a reestruturação societária, mediante documento fiscal emitido pela sucessora o qual em conformidade com a legislação vigente efetuará o referenciamento em campo devido do xml (se for o caso) à NF emitida pela entidade sucedida?
e) Em caso de positiva a resposta ao questionamento anterior, está correto o entendimento da Consulente quanto à obrigatoriedade de fazer constar as informações relativas à restruturação societária nas informações complementares do documento fiscal?
f) Há a possibilidade do recebimento pelo estabelecimento sucessor de mercadorias acompanhadas de nota fiscal que tenha como destinatário o CNPJ sucedido pela operação de “drop-down” haja vista que os fornecedores/clientes na falta de conhecimento da alteração societária podem emitir nota fiscal que tenha como destinatário o CNPJ da empresa sucedida?
RESPOSTA
A matéria e as indagações da consulente apresentam-se no âmbito do “drop-down”, com o que, de início, reproduz-se a definição de Ricardo Tepedino, para o “trespasse para a subsidiária”, que é como denomina o ”drop-down”: “é a operação em que a sociedade empresária (aqui chamada sociedade conferente), a título de integralização do capital de uma subsidiária (aqui denominada sociedade receptora), verte nesta última a empresa organizada sobre o seu nome, ou unidades produtivas dela, mediante o aporte de todo o seu estabelecimento ou algum de seus estabelecimentos e outros elementos necessários ao exercício da atividade cedida, recebendo em troca ações ou quotas representativas do capital social da sociedade receptora” (in “O Trespasse para a Subsidiária (drop down)”, p.64-65).
Trata-se de uma modalidade de reestruturação empresarial atípica, isto é, não formalmente prevista no ordenamento brasileiro, porém cada vez mais utilizada, ultimamente também em território nacional.
Entretanto, no que interessa ao que aqui se examina, relevante é analisar se ocorre concretamente, e em plenitude, uma transferência de titularidade de estabelecimento em atividade, seja mediante modalidade legalmente prevista ou seja pela modalidade atípica antes descrita, pois é isso o que confere efeitos na seara do imposto estadual.
Nesse sentido, cabe notar que se uma transferência acontece apenas quanto ao ativo imobilizado, ou às mercadorias, ou às dependências em que se situa, ou ao saldo credor de imposto declarado, ou aos direitos, ou às obrigações etc, não se está diante de uma transferência de titularidade do estabelecimento propriamente dita, mas de partes desse, exigindo o exame dissociado da transferência dessas partes.
Com efeito, relativamente aos estabelecimentos cuja atividade operacional se situa no âmbito do ICMS, assim preceitua o inciso VI do artigo 3º da Lei Complementar nº 87/1996, cuja redação se encontra reproduzida também no artigo 4º da Lei nº 11.580/1996 e no artigo 3º do Regulamento do ICMS (RICMS), aprovado pelo Decreto nº 7.871/2017:
“Art. 3º O imposto não incide sobre:
...
VI - operações de qualquer natureza de que decorra a transferência de propriedade de estabelecimento industrial, comercial ou de outra espécie;“
Da leitura do dispositivo e considerado uma ocorrência de “drop-down”, observa-se que, inobstante as peculiaridades do modelo, uma vez que se produza, em efetivo e atendidos os demais requisitos legais, inclusive o reconhecimento por parte dos órgãos de validação, a transferência de propriedade de estabelecimento em pleno exercício de atividades mercantis, com a consequente continuidade dessas, não há incidência de imposto relativamente às mercadorias mantidas em estoque e, por conseguinte, transferidas, as quais persistem vinculadas ao novo estabelecimento.
No que tange à transferência de saldo credor do imposto, há, todavia, outras questões a serem consideradas, tanto no que se refere à legitimidade e idoneidade do crédito fiscal, como, especialmente aqui, ao integral desenvolvimento das atividades e a manutenção do funcionamento do estabelecimento, sem interrupção, suspensão ou encerramento das atividades inerentes ao ICMS.
O Setor Consultivo (Consulta nº 120/1997) assim já se manifestou a respeito da transferência de saldo credor, numa situação de cisão de empresa envolvendo estabelecimento com atividades paralisadas:
“... formula consulta, para a qual expõe os seguintes fatos: a) acumulou saldo credor em conta gráfica (...); b) a filial encontra-se com as atividades operacionais paralisadas, o que impede o abatimento dos créditos com posteriores débitos; c) pretende submeter-se, num primeiro momento, a uma cisão parcial, pois, nos termos do § 1.º do art. 229 da Lei n.º 6.404/76, a empresa cindenda sucederá à cindida nos direitos (entre eles, o saldo credor que constitui patrimônio da pessoa jurídica) e obrigações relacionados no ato da cisão; d) após, a empresa cindenda será incorporada por terceira empresa, que a sucederá em todos os direitos (inclusive o saldo credor) e obrigações, consoante o disposto no art. 227, da Lei n.º 6.404/76. (...) indaga: (...) V - Haverá restrição, condição ou requisito para o posterior aproveitamento do saldo credor acumulado do ICMS, por parte da empresa incorporadora?
RESPOSTA
(...) Portanto, do próprio princípio constitucional da não-cumulatividade, que consiste na possibilidade de compensação do montante do imposto incidente nas operações e prestações anteriores com o montante do imposto devido pelas saídas de mercadorias ou prestações de serviços realizadas, sobressai o princípio da autonomia dos estabelecimentos em relação ao ICMS e dá ao crédito correspondente contornos "sui generis", uma vez que se trata de crédito fiscal (oponível a débitos do próprio estabelecimento) e não monetário (oponível ao Estado).
Serve o crédito fiscal, dessa forma, para abatimento de débitos do imposto do estabelecimento, não se confundindo com título de crédito, passível de transferência com o simples endosso. É assim um ativo cuja utilização tem regramento próprio. (...)
Diante do exposto, entende o Setor Consultivo que inexiste, na legislação tributária, autorização para a transferência de créditos fiscais na forma pretendida pela consulente (...).”
Veja-se o que dispõe a Lei Complementar nº 87/1996, com grifos:
“Art. 23. O direito de crédito, para efeito de compensação com débito do imposto, reconhecido ao estabelecimento que tenha recebido as mercadorias ou para o qual tenham sido prestados os serviços, está condicionado à idoneidade da documentação e, se for o caso, à escrituração nos prazos e condições estabelecidos na legislação.
Parágrafo único. O direito de utilizar o crédito extingue-se depois de decorridos cinco anos contados da data de emissão do documento.”
Logo, notório que o crédito fiscal não apresenta liquidez perante o sujeito ativo, destinando-se, salvo as específicas condições dispostas no artigo 47 e seguintes do Regulamento do ICMS, apenas à compensação com débitos de imposto do estabelecimento.
Do relato efetuado na petição, extrai-se que a atividade especificamente desenvolvida pelo estabelecimento da consulente não restou suficientemente detalhada e pormenorizada. A verificação de suas informações declaradas ao fisco, porém, revela a inexistência de estoques de produtos/mercadorias (Declaração Fisco Contábil) e que, portanto, seriam passíveis da não incidência do imposto na transferência ao novo estabelecimento.
De igual maneira, não se observa que o estabelecimento em questão tenha promovido quaisquer operações de saídas de mercadorias desde o final de 2016, quando foi declarado na EFD – Escrituração Fiscal Digital o saldo credor do imposto que a consulente busca agora transferir mediante o “drop-down”, e cujo valor se manteve daquela data em diante.
Necessário considerar, quanto a isso, que a realização do princípio da não-cumulatividade se dá em relação a operações com mercadorias ou prestação de serviços (transporte e comunicação), pela compensação do crédito fiscal existente com débitos do imposto surgidos da prática de fatos imponíveis previstos em lei.
Ocorre que na situação descrita pela consulente, a qual se reprisa não ter apresentado um melhor detalhamento, não se verifica qualquer estoque de mercadorias/materiais declarados, fazendo perder sentido, no caso, as disposições e a referência do inciso VI do artigo 3º da LC nº 87/1996. E, mais que isso, quando o saldo credor que se quer transferir ao estabelecimento receptor subsiste sem qualquer movimentação na conta gráfica do estabelecimento conferente, cujas atividades, no âmbito do ICMS, não ocorrem desde muito longa data.
Corrobora ainda, nessa mesma linha, o fato de o estabelecimento de destino, já detentor de CAD/ICMS, não apresentar congruência e identidade da sua atividade cadastrada (CNAE 3321-0/00 – Instalação de Máquinas e Equipamentos Industriais) em relação à do estabelecimento da consulente (CNAE 2829-1/99 – Fabricação de Outras Máquinas e Equipamentos de Uso Geral Não especificados Anteriormente, Peças e Acessórios).
Do exposto, haja vista a inatividade do estabelecimento, no âmbito do ICMS, desde 2016, confirmada inclusive pela inexistência de quaisquer mercadorias declaradas a serem transferidas, como também a discrepância de atividades entre os estabelecimentos de origem e de destino, não se verifica o almejado direito à transferência do saldo credor do imposto, dada a não caracterização da transferência de titularidade de estabelecimento com efetivo exercício de atividade mercantil, bem assim da sua continuidade.
Quanto às demais indagações, não se localizam na EFD da consulente, salvo sua capacidade de demonstração em contrário, a existência de operações iniciadas/não finalizadas que justifiquem os questionamentos.
A consulente tem o prazo de 15 dias para ajustar seus procedimentos, caso eventualmente tenha procedido de maneira diversa ao aqui esclarecido.