Consulta nº 43 DE 04/03/2015

Norma Estadual - Rio de Janeiro - Publicado no DOE em 04 mar 2015

Recurso à resposta de consulta n° 77/2014, sobre a base de cálculo do ICMS nas transferências interestaduais entre estabelecimentos do mesmo titular. Apropriação de crédito. Provimento parcial. A matéria prima, o material secundário e as embalagens, para os efeitos do disposto no § 4° do art. 13 da Lei Complementar (LC) n° 87/96 compreendem todo e qualquer material diretamente identificável com o produto e que se torne parte integrante dele. A mão-de-obra a ser incluída na base de cálculo de transferência é somente a mão-de-obra direta, ou seja, o custo de qualquer trabalho humano diretamente identificável e mensurável com o produto.

A consulente, inconformada com a resposta de Consulta n° 77/2014 desta Coordenação, de fls. 44/48 do presente administrativo, apresenta recurso, “com o fim de determinar que a D. Autoridade consultada também se manifeste sobre as seguintes questões:

i) É correta a exclusão dos departamentos de Finanças; Recursos Humanos; Tecnologia da Informação e Manutenção de Edifícios para fins de compor o custo do produto e determinar a base de cálculo do ICMS na transferência?

ii) Devido ao tempo necessário e natural para reprocessar o custo mensal, sendo este de uma semana, seria necessário a consulente após apurar o custo no 7° dia do mês, retroagir e recalcular a base do ICMS nas notas emitidas na primeira semana, sendo superior ou inferior as diferenças?”.

Em seu recurso (fls. 73 a 75) a consulente recorrente repisa alguns questionamentos apresentados na inicial (fl. 74), destacando-se os seguintes pontos:

"· (i) qual seria o entendimento desta r. Secretaria de Fazenda quanto a base de cálculo aplicável nas operações de transferência de mercadorias que sofrem processo de industrialização em São Paulo. Para tanto, informou que nos custos estão computados os encargos dos departamentos de Engenharia industrial; Engenharia de Processo; Logística; Engenharia de Produto e do Departamento de Compras, bem como os custos com a mão de obra dos diretores e gerentes da fábrica. No mesmo sentido, informou que NÃO estão computados nestes custos os encargos com os departamentos de Finanças, Recursos Humanos , Tecnologia da Informação e Manutenção Geral e Manutenção de Edifícios; e, por fim,

· (ii) considerando que necessita de 7 (sete) dias para reprocessar seus custos mensais, se esta Secretaria entende ser ou não necessário que a consulente, mensalmente, retroaja e recalcule a base de cálculo do imposto relativa as notas fiscais emitidas nesta primeira semana de cada mês, a fim de adequar seu período de apuração de custos com o mês calendário de apuração do imposto."

Nessa linha, enfatiza que a resposta inicial de fls. 44/48 “deixou de se manifestar” sobre os dois questionamentos acima referidos: “no primeiro caso, porque nada falou sobre o fato de entender ou não correta a exclusão dos departamentos de Finanças, Recursos Humanos, Tecnologia da Informação e Manutenção geral e Manutenção de Edifícios e, no segundo caso, porque também deixou de se manifestar sobre o período de apuração de custos da consulente, em razão de entender que tal indagação não possui relação com a legislação tributária”.

Em suma, a recorrente requer seja apresentado “(i) qual será o critério jurídico que será aplicado oficialmente às transferências de mercadorias praticadas pelo contribuinte e (ii) sobre este ‘descasamento’ de 7 (sete) dias entre o reprocessamento de seus custos e o período de apuração do imposto, já que ambas questões repercutem na correta apuração do imposto fluminense”.

II - ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o § 4° do art. 13 da Lei Complementar (LC) n° 87/96, dispositivo que estabelece regras acerca da base de cálculo do ICMS estadual, objetivando evitar a exacerbação dos conflitos entre as diversas unidades federadas, com fundamento no contido na alínea “a” do inciso III do art. 146 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, verbis:

Art. 13.

(...)

§ 4° Na saída de mercadoria para estabelecimento localizado em outro Estado, pertencente ao mesmo titular, a base de cálculo do imposto é:

I - o valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria;

II - o custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento;

III - tratando-se de mercadorias não industrializadas, o seu preço corrente no mercado atacadista do estabelecimento remetente.

No mesmo sentido, dispõe o inciso II do art. 8° da Lei Estadual n° 2.657/96, com a sua redação conferida pela Lei n° 6.276/2012, relativamente às saídas internas e interestaduais de mercadorias para estabelecimentos do mesmo titular:

Art. 8° Para efeito de fixação da base de cálculo, na saída de mercadoria para estabelecimento do mesmo titular, localizado neste Estado ou em outra unidade da Federação, deve ser observado o seguinte:

I - (...)

II - o custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento;

(...)

Portanto, tratando-se de produto industrializado, para efeitos do ICMS do Estado do Rio de Janeiro, e das demais unidades federadas, a base de cálculo deve ser “o custo da mercadoria produzida”, e não o valor do produto, devendo-se considerar, tão-somente, para determinação do valor a ser submetido à tributação, no estado de origem da transferência, a “soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento”.

Márcio Alexandre O. S. Freitas, em artigo disponível no sítio do Planalto, intitulado “A base de cálculo do ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte e a Decisão Normativa Cat/Sp n° 05/2005”, se posiciona nos seguinte termos em relação ao disposto no transcrito artigo 13, § 4°, II, da LC n° 87/96:

A clareza e taxatividade do texto legal-complementar conduz à imediata conclusão de que seu conteúdo dispensa interpretação, uma vez que, além de prescrever que a base de cálculo do ICMS nas transferências seria "o custo da mercadoria produzida", o dispositivo tratou de especificar o que deveria ser entendido por esse custo.

A Fazenda paulista, contudo, pensa e interpreta o referido comando de forma diferente.

Por intermédio da Decisão Normativa (DN) CAT no 05/2005, o Fisco paulista firmou seu entendimento de que a LC no 87/96, ao discriminar os elementos que, somados, comporiam o "custo da mercadoria produzida" - base de cálculo nas transferências interestaduais, fê-lo de modo exemplificativo, não taxativo.

Depois de discorrer sobre os conceitos contábeis de custos e despesas e sobre o "querer" do "legislador complementar", o Fisco paulista assim desfecha o seu parecer:

9. Concluímos, portanto, que o disposto no artigo 13, § 4°, II, da Lei Complementar n° 87/96 não deve ser interpretado como a discriminação taxativa dos itens que integram o custo da mercadoria produzida (custo da produção industrial), objetivamente definido como a base de cálculo das transferências interestaduais de mercadorias fabricadas pelo contribuinte, entre estabelecimentos de sua titularidade, cabendo ao próprio contribuinte apurá-lo, em conformidade com os princípios e a metodologia da Contabilidade de Custos, e à fiscalização verificar a sua correção.

À primeira vista, o tema parece despiciendo, bastando ao contribuinte seguir a orientação normatizada pela Fazenda paulista para se abster de qualquer transtorno ou questionamento de ordem fiscal.

O bom gerenciamento tributário, porém, exige que o assunto seja avaliado de um modo mais amplo, levando em conta os riscos envolvidos e as medidas que o contribuinte dispõe para contorná-los. (grifo não existente no original).

Portanto, para o autor, o conteúdo “dispensa interpretação, uma vez que, além de prescrever que a base de cálculo do ICMS nas transferências seria "o custo da mercadoria produzida", o dispositivo tratou de especificar o que deveria ser entendido por esse custo”.

Assim sendo, importante a lição de Tércio Sampaio Ferraz Jr.:

Uma interpretação especificadora parte do pressuposto de que o sentido da norma cabe na letra de seu enunciado. Tendo em vista a criação de condições para que os conflitos sejam decidíveis com um mínimo de perturbação social (questão de decidibilidade), a hermenêutica vê-se pragmaticamente dominada por um princípio de economia de pensamento. Postula, assim, que para elucidar o conteúdo da norma não é necessário sempre ir até o fim de suas possibilidades significativas, mas até o ponto em que os problemas pareçam razoavelmente decidíveis. Era esse, provavelmente, o propósito de um famoso aforismo jurídico, hoje menos citado, segundo o qual “in claris cessat interpretativo”.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar caso concreto, exatamente sobre o tema posto ao exame no presente administrativo, decidiu:

TRIBUTÁRIO. ICMS. ARROZ BENEFICIADO. PRODUTO INDUSTRIALIZADO. TRANSFERÊNCIA DE UM ESTABELECIMENTO PARA OUTRO DO MESMO CONTRIBUINTE. BASE DE CÁLCULO.

1. A definição da base de cálculo do ICMS é matéria reservada à Lei Complementar, em face da dicção do art. 146, III, "a", da CF.

2. A fixação da base de cálculo de produto industrializado para fim de ICMS, quando sai de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte, para outro Estado, pelo art. 13, § 4°, II, não pode ser modificado por regra estadual. (sic)

3. Arroz beneficiado é produto industrializado.

4. A base de cálculo do ICMS, quando o arroz industrializado é enviado para estabelecimento do mesmo contribuinte em outro Estado é o custo da mercadoria, assim entendida a soma do custo da matéria prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento.

5. Impossibilidade de pauta fiscal.

6. Homenagem ao princípio da legalidade.

7. Recurso do Estado do Rio Grande do Sul improvido. (g.n.)

Portanto, de acordo com o entendimento fixado pelo Tribunal Superior, de forma diversa ao entendimento exarado por meio da citada Decisão Normativa Cat/Sp n° 05/2005, a base de cálculo do ICMS nas transferências interestaduais de mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa deve compreender, exclusivamente, os elementos fixados taxativamente, numerus clausus, no referido artigo 13, § 4°, II, da LC n° 87/96

Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), ao decidir caso concreto que versava sobre a mesma questão de fundo subjacente aquela posta nos autos do presente administrativo, isto é, a determinação da base de cálculo do ICMS nas transferências interestaduais com destino ao Estado do Rio de Janeiro, concluiu ser aplicável à hipótese interpretação literal e restritiva, conforme se constata do seguinte trecho da decisão:

A legislação tributária deve ser interpretada restritivamente e literalmente, de acordo com o art. 111, do CTN, não cabendo a interpretação extensiva e as inovações da base de cálculo do ICMS incidente em transferências de mercadorias interestaduais, prevista no art. 13, § 4°, II, da LC 87/96, como o fez a autora/apelante.

Assim sendo, com fulcro na doutrina e na jurisprudência, entendo que as razões até aqui apresentadas seriam suficientes, por si só, para contrapor a afirmação aduzida pela recorrente, no sentido de que esta CCJT “deixou de se manifestar” (fls. 44/48) acerca das perguntas formuladas.

Entretanto, considerando a inexistência de norma de caráter nacional harmonizadora de regra entre as unidades federadas, os objetivos do instituto da consulta tributária, e tendo em vista, em especial, que a Portaria SSER n° 35/2013 foi declarada nula pela Portaria SSER n.° 53/2014, sem que tivesse sido até hoje editada pelo Estado do Rio de Janeiro qualquer norma superveniente para disciplinar a matéria, o que produziu um cenário de relativa incerteza jurídica, parece-me inadequado, s.m.j., limitar este pronunciamento à contraposição das alegações apresentadas.

Nessa linha, considerando a relevância do princípio da segurança jurídica, entendo imprescindível que esta Coordenação de Consultas Jurídico-Tributárias proponha os critérios jurídicos necessários para que a consulente verifique quais dos seus custos incorridos se subsumem nos parâmetros a serem indicados. Dito de outra forma, diante do cenário jurídico criado após a edição e superveniente declaração de nulidade da citada Portaria SSER n° 35/2013, pela mencionada Portaria SSER n.° 53/2014, considerando as competências atirbuidas pela Resolução SEFAZ n° 45/2007, em especial o seu art. 83, parece-me ser dever desta Superintendência de Tributação fixar os parâmetros necessários à criação das condições para que os conflitos em potencial sejam decidíveis.

Portanto, pelo exposto até o momento, e constatada a impossibilidade de adoção de interpretação que tenha caráter extensivo no caso em apreço, que implique inclusões indevidas ou inovações na base de cálculo do ICMS incidente em transferências de mercadorias interestaduais, prevista no transcrito no citado art. 13, § 4°, II, da LC 87/96 e no mencionado inciso II do art. 8° da Lei Estadual n° 2.657/96, impõe-se, inicialmente, perquirir o denominado “âmbito nuclear” de cada um dos quatro elementos que compõe o custo da mercadoria produzida, ou seja, “a matéria-prima”, o “material secundário”, a “mão-de-obra” e o “acondicionamento”.

O conceito de Material Direto utilizado na Contabilidade de Custos é esclarecedor:

2.2 - MATERIAL DIRETO

Material Direto - Compreende todo e qualquer material diretamente identificável com o produto e que se torne parte integrante dele. Exemplo: matéria-prima, material secundário, embalagens.

Seu custo é obtido por meio da seguinte fórmula: MD = EI + C - EF

2.2.1 - Tipos de material direto

a) Matéria-prima - É o principal material que entra na composição do produto final. Ela sofre transformação no processo de fabricação. É o material que, do ponto de vista da quantidade, é o mais empregado na produção. As matérias-primas em estoque serão aplicadas diretamente no produto e, ao serem transferidas do estoque para o processo produtivo, transformam-se em custos de produção. Ex. madeira na fabricação de móveis.

b) Material secundário - Não é o componente básico na composição do produto, mas é perfeitamente identificável. Ex. pregos e parafusos na fabricação de móveis.

c) Embalagens - São materiais utilizados para embalagem do produto ou seu acondicionamento para remessa. Ex. papelão onde é acondicionado o móvel.

Nesse sentido, a matéria prima, o material secundário e as embalagens, compreendem “todo e qualquer material diretamente identificável com o produto e que se torne parte integrante dele”.

Em complemento, importante traçar a distinção entre a “a matéria-prima” de um lado e o insumo de outro, a fim de que não pairem dúvidas quanto o sentido e extensão do primeiro termo.

O insumo, que possui conceito mais amplo, é todo e qualquer tipo de material utilizado para a produção de determinado tipo de produto, mas que não necessariamente faça parte dele. Em outras palavras, são “os bens ou os serviços intrinsecamente vinculados à produção de bens”, que são “aplicados ou consumidos diretamente nesta”, “não podendo ser interpretados como todo e qualquer bem ou serviço que gere despesas”.

Por sua vez, a “matéria-prima” constitui todo material que está agregado ao produto, tendo sido empregado na sua fabricação e tornando-se parte do produto final, ou seja, a matéria prima pode ser identificada no objeto industrializado.

Por fim, relativamente à “mão de obra”, didática a explicação do material já citado:

2.3 - SISTEMAS E MÉTODOS DE CUSTEIO

A lei comercial é omissa quanto ao procedimento para determinação do custo dos produtos vendidos e em estoque, porém o custeio por absorção é amplamente aceito, variando apenas o grau de absorção. De acordo com esse sistema, o custo dos produtos fabricados é formado por três componentes básicos:

a) Matérias-primas;

b) Mão-de-obra direta;

c) Gastos gerais de fabricação (alocados aos produtos por meio de rateios)

(...)

2.4 - MÃO-DE-OBRA DIRETA

Mão-de-obra direta - É ao custo de qualquer trabalho humano diretamente identificável e mensurável com o produto. Exemplo: salários e encargos sociais dos empregados que trabalham diretamente na produção.

2.4.1 - Diferença entre mão-de-obra direta e indireta

Se um operário opera uma máquina, na qual é produzido um tipo de produto de cada vez, esse operário será considerado mão-de-obra direta - MOD.

Se opera uma máquina na qual são fabricados vários produtos:

a) Se conseguirmos medir o tempo de produção de cada produto por meio de controles, então a mão-de-obra é direta - MOD;

b) Se tivermos que utilizar qualquer critério de rateio para alocar a mão-de-obra aos produtos, então ela será mão-de-obra indireta - MOI.

ð No caso de ociosidade normal, devemos considera-la como MOI.

Fixados esses parâmetros, que entendo suficientes para que a consulente possa verificar quais dos seus custos incorridos se subsumem nos critérios indicados, resta apreciar a segunda questão apontada, isto é, “considerando que necessita de 7 (sete) dias para reprocessar seus custos mensais, se esta Secretaria entende ser ou não necessário que a consulente, mensalmente, retroaja e recalcule a base de cálculo do imposto relativa as notas fiscais emitidas nesta primeira semana de cada mês, a fim de adequar seu período de apuração de custos com o mês calendário de apuração do imposto”.

Conforme já salientado à fl. 46 dos autos, a problema posto não diz respeito à dúvida quanto à interpretação “da Legislação Tributária, mas sim de uma questão contábil”, ou melhor, um problema relacionado aos sistema de apuração dos custos da empresa que operacionalizam a sua contabilidade, tendo em vista que a própria consulente está ciente do calendário de apuração do imposto, conforme expressamente mencionado.

III - CONCLUSÃO

Por todo o exposto, opino no sentido do PROVIMENTO PARCIAL ao recurso, para que seja esclarecido que a matéria prima, o material secundário e as embalagens a serem incluídas como custo de mercadoria produzida, para os efeitos do disposto no art. 13, § 4°, II, da LC 87/96 e inciso II do art. 8° da Lei Estadual n° 2.657/96, compreendem todo e qualquer material diretamente identificável com o produto e que se torne parte integrante dele. Na mesma linha, a mão-de-obra a ser incluída na base de cálculo de transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa em operações interestaduais é somente aquela direta, assim compreendida como o custo de qualquer trabalho humano diretamente identificável e mensurável com o produto.

CCJT, Rio de Janeiro, 04 de março de 2015.