Consulta SEFAZ nº 373 DE 19/09/1994
Norma Estadual - Mato Grosso - Publicado no DOE em 19 set 1994
IPVA - Autarquia/Fund.Instituida/ Mantida Poder Público
Senhor Secretario:
A entidade acima nominada pleiteia a isenção do IPVA relativo aos veículos de sua propriedade, escorando-se no disposto no art. 150, inciso VI, alínea "a" e § 2º da Constituição Federal (fls. 01 e 02).
Submetido o processo ao DETRAN, este, de inicio, manifestou-se contrario ao pedido, uma vez que não foi comprovado ser o requerente de utilidade pública, como exigido no art. 150, inciso VI, § 6º da Constituição Federal (fl. 16).
A Assessoria Tributaria desta Secretaria, contudo, destacou ser o interessado autarquia federal, estando, por isso, imune de impostos, ex vi do preconizado no § 2º do art. 150, da Carta Magna de 1988, c/c a alínea "a" do inciso VI do mesmo artigo. Todavia, destacando ser competência do Departamento Estadual de Transito o reconhecimento de imunidade, no que pertine ao IPVA, consoante art. 21, alínea "c", do Decreto nº 2.432, de 21 de janeiro de 1987, sugeriu-se a devolução do processo aquele Órgão (fls. 19 a 22).
Retorna agora o processo a Secretaria de Fazenda com novo Parecer da Assessoria Jurídica do DETRAN, ratificando a colocação dos artigos mencionados no parecer anterior e ainda esclarecendo que os mesmos referem-se ao art. 150, inciso VI - § 6º da Constituição Federal. No ensejo, a i. Assessoria tece considerações sobre os conceitos de isenção e imunidade, para, ao final, concluir: "Portanto preenchidos os requisitos exigidos por Lei, não há por parte deste Órgão nada que impeça a pleiteada Isenção."
O Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores foi instituído, neste Estado, através da Lei nº 5.963, de 23 de dezembro de 1985 que hoje vigora com as alterações introduzidas pela Lei nº 4.972, de 08 de abril de 1986.
Vale a reprodução dos artigos 6º e 7º do Diploma Legal invocado:"Art. 6º - O imposto de que trata esta lei não será cobrado:
I - da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
II - dos partidos políticos;
III - das instituições de educação ou de assistência social, observados os seguintes requisitos:
a) não distribuir qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou participação no seu resultado nem restringir a prestação de serviços a associados e contribuintes;
b) aplicar integralmente no país, os seus recursos na manutenção de seus objetivos institucionais;
c) manter escrituração de suas receitas e despesas em livro revestido de formalidades capazes de assegurar sua exatidão." (Negritos apostos).
"Art. 7º- São isentos do pagamento do imposto:
I — os turistas estrangeiros, portadores de certificados internacionais de circular e conduzir, pelo prazo estabelecido nesses certificados, mas nunca inferior a 1 (um) ano, relativamente aos veículos de sua propriedade ou posse, não re-gistrados no Estado;
II - as Representações Consulares, os Agentes Consulares e funcionários de carreira do serviço consular e desde que o país de origem adote medida recíproca para com os veí-culos do Brasil;
III - os proprietários de maquinas agrícolas e de terraplanagem, desde que não circulem em vias publicas;
IV - os proprietários de ambulâncias;
V - os proprietários de qualquer veículo de aluguel, dotados ou não de taxímetro, destinados ao transporte publico de pessoas, desde que autorizados a operar como 'Taxi', pelos municípios;
VI - os proprietários de ônibus, exclusivamente empregados em linhas de transporte urbano e metropolitano;
VII - os veículos adaptados para usuários deficientes físicos mediante vistoria e homologação previa do Departamento Estadual de Transito." (Foi destacado).
Sem duvida o requerente não se enquadra em qual-quer das hipóteses arroladas, seja entre aquelas contempladas com não incidência, seja com isenção.
A Carta Magna de 1988, porém, estabeleceu, entre as limitações do poder de tributar:"Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI - instituir imposto sobre:
(...)
a) - patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
(...)
§ 2º - A vedação do inciso VI, 'a' , é extensiva as autarquias e as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, a renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou as delas decorrentes.
(...)
§ 6º - Qualquer anistia ou remissão que envolva matéria tributária ou providenciaria só poderá ser concedida através de lei especifica, federal, estadual ou municipal." (Sem os destaques no original).
Cuida o § 2º transcrito de imunidade das autarquias e fundações.
ALIOMAR BALEEIRO entende as imunidade como "vedações absolutas ao poder de tributar certas pessoas (subjetivas) ou certos bens (objetivas) e, às vezes, uns e outros.(1)
E prossegue o ínclito tributarista diferenciando imunidade de isenção. Textualmente:
"Imunidades tornam inconstitucionais as leis ordinárias que as desafiam. Não se confundem com isenções derivadas da lei ordinária ou da complementar (C.F. art. 19, § 2º)* que, decretando o tributo, exclui expressamente certos casos, pessoas ou bens, por motivos de política fiscal. A violação do dispositivo onde se contem a isenção importa em ilegalidade e não em inconstitucionalidade. (...)." (2)
Também o notório IVES GANDRA MARTINS exaustivamen-te comenta o alcance jurídico dos dois institutos, bem como da não incidência e alíquota zero, em notas de rodapé insertas na obra Sistema Tributário na Constituição de 1988. Não é demais a sua transcrição:
"A imunidade e o mais relevante dos institutos desonerativos. Corresponde a vedação total ao poder de tributar. A imunidade cria área colocada, constitucionalmente, fora do alcance impositivo, por intenção do constituinte, área necessariamente de salvaguarda absoluta para os contribuintes nela hospedados. A relevância e de tal ordem que a jurisprudência tem entendido ser impossível a adoção de interpretação restritiva a seus comandos legais, sendo, obrigatoriamente, a exegese de seus dispositivos ampla.
(...)".
Na imunidade, não ha nem o nascimento da obrigação fiscal, nem do conseqüente credito, em face de sua substancia fática estar colocada fora do campo de atuação dos poderes tributantes, por imposição constitucional. Independe, portanto das vontades legislativas das competências outorgadas pela Lei Maior.
A não incidência, materialmente, se reveste da mesma estrutura. Não ha nem nascimento da obrigação tributaria nem do credito respectivo, em face de que as pessoas ou situações postas fora da imposição não geram, por seus atos ou ocorrências fáticas, nem obrigação, nos termos dos artigos 113 e 114 do CTN, nem credito correspondente (arts. 139 e 142), que e o ingresso para o universo administrativo, em nível de conheci-mento e ação, do vinculado fato gerador.
A diferença reside, todavia, na origem do instituto. Na hipótese de não incidência impede-se o surgimento da obrigação e do credito, porque o Poder Tributante, que pode, não deseja poder. Tem a faculdade constitucional de impor, mas abdica do exercício de sua capacidade. Na imunidade, o Poder Tributante não tem qualquer poder. Não abdica do exercício de nenhum direito, porque não tem nenhum direito a imposição.
Embora com conseqüências semelhantes, no concernen-te aos efeitos sobre o sujeito passivo da relação tributaria, a isenção difere das duas outras figuras legislativas. É que na isenção nasce a obrigação tributaria, sendo apenas excluído o credito correspondente.
Tal colocação decorre do art. 175 do CTN, assim re-digido: 'Art. 175. Excluem o credito tributário: I - a isenção; II - a anistia. Parágrafo único - A exclusão do credito tributário não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias, dependentes da obrigação principal cujo credito tributário seja excluído, ou dela conseqüente'
(...)
(...) A ultima forma desonerativa de expressão é a que diz respeito a alíquota zero. Nesta forma, nascem obrigação tributaria e credito fiscal, mas tanto uma quanto o outro estão redu-zidos a sua nenhuma expressão.
(...)." (3)
Das preleções aqui carreadas, pode-se concluir que os dois institutos não se confundem, sobrepondo-se a imunidade consagrada constitucionalmente, a legislação ordinária.
Quanto a exigência do § 6º, é bom lembrar que a mes-ma está vinculada aos conceitos da anistia e remissão, alheios a questão em tela.
Por outro lado, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determinou:"Art. 34 - O sistema tributário nacional entrara em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1 de 1969 e pelas posteriores.
§ 1º - Entrarão em vigor com a promulgação da Constituição os artigos ... 150, ... revogadas as disposições em contrario da Constituição de 1967 e das Emendas que a modificaram, especialmente de seu art. 25, III.
(...)
§ 5º - Vigente o novo sistema tributário nacional fica assegurada aplicação da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele e com a legislação referida nos
§§ 3º e 4º.
(...).''Por conseguinte, em que pese a ausência de dispositivo na Lei estadual cuidando da desoneração em tela, a imunidade não pode ser olvidada, sob pena de flagrante violação a Lei Maior.
Todavia, como já asseverado anteriormente, a competência para pronunciar-se sobre imunidade, no que afeta ao IPVA, e do Departamento Estadual de Transito, de acordo com o dispos-to no art. 21, alínea "c", do Decreto nº 2.432, de 21 de janeiro de 1987, que consolida o Regulamento da Lei nº 4.963/85.
Resta, então, encaminhar os autos aquele Órgão para decisão final e providencias decorrentes.
É a informação, S.M.J.
Cuiabá-MT, 13 de setembro de 1994.
Yara Maria Stefano Sgrinholi
FTE De acordo:João Benedito Gonçalves Neto
Assessor de Assuntos Tributários
(1)BALEEIRO Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 10. ed.rev. e atualizada por Flávio Bauer Novelli, Rio de Janeiro, Forense, 1991. p. 84.
(2)ídem ibidem.
* Nota: capitulação cf. anterior.
(3) apud. MARTINS, Ives Gandra. Sistema Tributário Nacional na Constituição de 1988. 3. ed., aum. São Paulo:. Saraiva, 1991. p. 152-3 (notas de rodapé).