Consulta nº 23 DE 30/03/2024
Norma Estadual - Rio de Janeiro - Publicado no DOE em 30 mar 2024
A cumulação da atividade econômica principal de Comércio atacadista de máquinas, equipamentos. Para terraplenagem, mineração e construção; Partes e peças e outras atividades (cnae 46.62-1/00) com a prestação de serviço de industrialização por Encomenda sob amparo do decreto nº 43.603/2012 tem Como condição inafastável a realização das Atividades no território do estado do rio de janeiro, Sob pena de descumprimento dos objetivos que Ensejaram a edição do favor fiscal nos termos em Que editado o ato do chefe do poder executivo. Somente nova legislação tributária pode estender o Favor fiscal para além das situações atualmente Previstas de forma expressa.
RELATÓRIO
O contribuinte acima identificado, inconformado com as conclusões alcançadas por esta Coordenadoria de Consultas Jurídico-Tributárias (CCJT) (doc. 71163772), em resposta à sua consulta “quanto à inexistência de dispositivo legal no Decreto nº 43.603/2012 que vede” “a eventual prestação de serviço de industrialização por encomenda para o mercado”, razão pela qual não violaria o “benefício fiscal que faz jus atualmente” (doc. 61496820), apresenta recurso voluntário (doc. 72538646) tempestivo (intimação em dia 08/04/2024– doc. 71789332, recurso protocolado em 18/04/2024 – doc. 72538647).
As duas indagações formuladas na inicial (doc. 61496820), e as respostas proferidas pelo órgão de Consultoria Tributária, estão redigidas nos seguintes termos:
i – Está correto o entendimento da Consulente quanto à inexistência de dispositivo legal no Decreto nº 43.603/2012 que vede a exploração de nova atividade?
Conforme já aduzido no item “Análise e Fundamentação”, a intepretação teleológica da norma em apreço, Decreto nº 43.603/2012, nos leva à conclusão que a sua finalidade é o de estimular a atividade econômica no Estado do Rio de Janeiro.
Harmonizando a liberdade econômica como direito fundamental (artigo 5º, IV, CRFB) com a intepretação teleológica do Decreto nº 43.603/2012, é possível concluir que o centro de distribuição BMC pode exercer outra atividade desde que estimule a atividade econômica do Estado do Rio de Janeiro.
Nesse sentido, é possível ao centro de distribuição BMC exercer a atividade de “industrialização por encomenda” desde que sua operação triangular típica - caracterizada pelo encomendante, que efetuará a compra dos insumos
para a industrialização, o fornecedor dos insumos que os remete para industrialização por conta e ordem do encomendante e a indústria que irá proceder o processo de fabricação
- ocorra no território do Estado do Rio de Janeiro.
ii – Está correto o seu entendimento no sentido de que a eventual prestação de serviço de industrialização por encomenda para o mercado não violará o benefício fiscal que faz jus atualmente?
Sim, desde que a operação triangular típica da “industrialização por encomenda” ocorra no território do Estado do Rio de Janeiro. Vide resposta ao item anterior.
Em sua manifestação recursal a empresa indica que “o modelo operacional representado acima em nada obstrui o processo de produção e comercialização de máquinas pesadas no Estado do Rio de Janeiro, o qual permanecerá sendo integralmente desenvolvido, sendo a presente alteração tão somente uma alternativa para acrescentar fonte de renda adicional para a” empresa, “tendo em vista o impacto negativo do atual cenário econômico brasileiro nas vendas que realiza”.
Indica como fundamento à necessidade de reforma da resposta “que a legislação tributária disciplina que os benefícios fiscais devem ser interpretados literalmente[1], assim como o fato de o Decreto editado, objeto da presente análise, não possuir nenhum dispositivo que vede a inserção de nova modalidade operacional pela Recorrente”. Em complemento, diante do exposto conclui que:
i) a finalidade caracterizada pela Fiscalização, a qual consiste no estímulo da atividade econômica nesta UF, em nada é afetada pela operação pretendida pela BMC;
ii) a aquisição de mercadorias de Fornecedores de outros Estados é uma atividade presente há anos na operação desenvolvida hoje pelas Empresas relacionadas; e
iii) inexiste dispositivo no supramencionado Decreto que impeça a realização da atividade de industrialização pela Recorrente, e a legislação tributária deve ser interpretada em sua literalidade, conforme previsão expressa no Art. 111 do CTN.
Ao fim requer a reforma da “resposta à Consulta nº 023/2024”.
Pelo exposto, percebe-se que são dois argumentos jurídicos centrais utilizados pela empresa para amparar o recurso, isto é, a alegada inexistência de “dispositivo que vede a inserção de nova modalidade operacional pela Recorrente” e “que a legislação tributária disciplina que os benefícios fiscais devem ser interpretados literalmente”.
É o relatório.
[1] “Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: I. Suspensão ou exclusão do crédito tributário; II. III. 5 Outorga ou isenção; Dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.”.
ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO
Preliminarmente, importante salientar que a legislação tributária que afasta ou reduz a incidência de tributo deve ser interpretada de forma literal[1] e restritiva[2], não cabendo interpretação extensiva para alcançar situações não contidas de forma expressa no enunciado que prevê o favor fiscal. Não obstante o exposto, entendo não se aplicar exclusivamente o método literal na hipótese de interpretação da norma que afasta a incidência de tributo, ou prevê regime tributário menos oneroso ao contribuinte, inobstante implicar efeitos restritivos. Nesse sentido já me manifestei em diversas ocasiões, ou seja, no sentido da adoção da “pluralidade metodológica” ou múltiplos “pontos de vista diretivos”[3], como, por exemplo, nos autos do processo E-04-079-3589-2017 e SEI-040079-000499-2020, conforme a seguir transcrito:
Preliminarmente, cumpre ressaltar que interpretar é determinar o sentido e alcance da norma, ou seja, descobrir (quando há um sentido predeterminado) ou atribuir significado próprio (quando há mais de um sentido possível), tornando possível a sua aplicação ao caso concreto.
Na hipótese de interpretação e aplicação de norma concessiva de incentivos e benefícios fiscais, como é o caso de que trata o presente administrativo, há limites muito estritos para a construção de significados e a realização de integração normativa. A hipótese é disciplinada pelo art. 111 do Código Tributário Nacional (CTN), o qual estabelece que as causas de exclusão do crédito tributário, regra que se aplica também à interpretação das normas concessivas de incentivos e benefícios fiscais, devem ser interpretadas de forma “literal” e “restritivamente”. Nesse caso, obviamente, é defeso ao hermeneuta aplicar interpretação extensiva ao comando normativo. Nesse sentido aponta Celso Ribeiro Bastos[4]:
(...) a interpretação literal tende a ser mais restritiva na medida em que exige do intérprete que se mantenha atrelado a expressões contidas nas palavras das leis. Mas aqui há a observar-se o seguinte: a interpretação jurídica não se detém na interpretação literal ou gramatical, embora deva por esta começar.
No mesmo sentido, de aplicação de interpretação literal e restritiva, ainda que não de forma exclusiva, isto é, sem afastar a possibilidade de também aproveitar-se dos benefícios do método sistemático, teleológico ou histórico, já apontou o Superior Tribunal de Justiça em diversas ocasiões, como, por exemplo, no Resp 14.400/SP, (1ªT., rel. Min. Demócrito Reinaldo, j. 20-11- 1991), cujo trecho da ementa declara de forma expressa:
O real escopo do artigo 111 do CTN não é o de impor a interpretação apenas literal – a rigor impossível – mas evitar que a interpretação extensiva ou outro qualquer princípio de hermenêutica amplie o alcance da norma isentiva. Recurso provido, por unanimidade.
Na realidade, esse posicionamento da jurisprudência e da doutrina nacional indicada consagra um postulado que produz efeitos em qualquer ramo jurídico, isto é, “o que é regra se presume; o que é exceção deve estar expresso em lei”. Portanto, como a regra geral é a tributação, deve-se conferir às suas exceções, como a isenção, os créditos presumidos, reduções de base de cálculo ou diferimentos, interpretação literal e restritiva, adotando-se, para determinação do sentido e alcance da norma, também a interpretação sistemática teleológica e histórica, quando cabível e adequado.
No entanto, apesar da utilização dos múltiplos métodos interpretativos, importante repisar não ser cabível a adoção de interpretação extensiva ou outro qualquer princípio de hermenêutica que amplie o alcance da norma concessiva de benefício fiscal.
Assim sendo, entende-se que são aplicáveis os diversos métodos disponíveis ao intérprete, e não apenas o literal como pretende a recorrente na peça recursal. Com efeito, no caso da “Consulta nº 023/2024”, não fosse a aplicabilidade do método teleológico, nos termos e condições fixados na resposta inicialmente proferida pela CCJT, sequer haveria a possibilidade de o ora recorrente beneficiar-se do disposto no Decreto nº 43.603/2012 sem as restrições e requisitos corretamente indicados pelo órgão de consultoria, isto é, “desde que sua operação triangular típica - caracterizada pelo encomendante, que efetuará a compra dos insumos para a industrialização, o fornecedor dos insumos que os remete para industrialização por conta e ordem do encomendante e a indústria que irá proceder o processo de fabricação - ocorra no território do Estado do Rio de Janeiro”. Nesses termos, parece-me contraproducente aos objetivos apontados pela recorrente indicar a exclusividade da interpretação literal como fundamento recursal para alcançar os objetivos desejados.
Com efeito, não obstante a aplicabilidade dos múltiplos métodos interpretativos, entendo que o conteúdo e alcance dos favores fiscais devem, necessariamente, estar expressos na norma que confere o tratamento que excepciona a tributação, não sendo papel do intérprete construir teses heterodoxas ou sentidos que não estejam indicados na lei concessiva específica de forma clara, direta, objetiva e inequívoca. De fato o §6º do art. 150 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 aponta nesse sentido, ao indicar que “qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.”
Assim sendo, apesar da norma estadual não vedar a inserção de nova modalidade operacional pela Recorrente (nem poderia ao meu sentir!), não significa que as pretensas novas atividades estarão sob amparo do benefício fiscal instituído pelo Decreto nº 43.603/2012, caso aplicado fora da moldura indicada na aludida resposta à “Consulta nº 023/2024”. Nesse sentido entendo que as conclusões alcançadas por meio da interpretação conferida pela consulente, no sentido de que a inexistência de “dispositivo que vede a inserção de nova modalidade operacional pela Recorrente” e “que a legislação tributária disciplina que os benefícios fiscais devem ser interpretados literalmente”, é diametralmente oposta àquela que deve prevalecer. Na realidade, a argumentação apresentada parte de pressuposto enganoso quanto ao modo como o ordenamento jurídico deve ser interpretado, razão pela qual suas conclusões subvertem o disposto na legislação tributária relativamente ao que pode ser extraído do favor fiscal. Com efeito, entende-se que NÃO cabe à legislação tributária elencar de forma exaustiva todos os procedimentos que NÃO podem ser adotados pelo sujeito passivo, consequência incontornável da proposição formulada na peça recursal diante das premissas adotadas.
Com efeito, deve-se ressaltar que a interpretação e a integração não se confundem. A interpretação, que se inicia com a leitura do texto, encontra como limite as possibilidades oferecidas pelo sentido literal linguisticamente possível, não podendo o intérprete extrapolar os limites que estão fixados pelo próprio legislador, conforme ensina Karl Larenz[5].
Por sua vez, a integração[6] inicia-se quando a interpretação já não tem mais alcance, em razão da ausência de texto normativo que lhe permita avançar. Assim, a integração vai além das possibilidades interpretativas, revelando-se pelo preenchimento das lacunas não alcançadas pelo legislador (o direito para além da lei).
Nessa seara, quando diga respeito à concessão de favor fiscal, entendo que o grau deliberdade conferido à autoridade fiscal é extremamente limitado, tendo em vista possível usurpação da função legislativa pela Administração Pública. Esta é a razão pela qual entendo ser indispensável no caso em apreço a edição de ato normativo específico pela autoridade própria, voltado de forma objetiva e clara à extensão de favor fiscal que excepciona a regra geral que é a tributação, sem as condições fixadas na resposta à “Consulta nº 023/2024”, caso a Administração Superior entenda justificável a ampliação do favor fiscal.
Com esses parâmetros entendo que são delineadas e delimitadas as funções técnicas deste órgão de Consultoria Tributária, ao qual não cabe estender favor fiscal fora da moldura indicada especificamente de forma clara, direta, objetiva e inequívoca no ato normativo constitucionalmente requerido, ainda que exista razões econômicas plausíveis e o seu impacto arrecadatório seja restrito ou inexistente. De fato, a opção política por ampliar as hipóteses de concessão de favor fiscal, com ou sem impacto sobre a receita pública, tem campo próprio, que é o da legislação tributária, a qual deve conferir segurança jurídica tanto para o sujeito passivo como à Administração Tributária.
[1] Dispõe o art. 111 do Código Tributário Nacional: “Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: (...)I - suspensão ou exclusão do crédito tributário; II - outorga de isenção;”
[2] Entre outros, vide , REsp 1288997- RJ, REsp 1052830-RS e etc. Ressalte-se o seguinte trecho do acórdão do TRF-2 - Apelação civel AC 200051015117313 RJ 2000.51.01.511731-3 (TRF-2): “A interpretação da norma deve ser restritiva, por força do art. 111 do CTN, que determina a interpretação literal dos dispositivos legais tributários que tratam de benefício fiscal.”
[3] A partir da concepção de que interpretação não se dá a partir da escolha de um critério, mas mediante um procedimento único em que o hermeneuta utiliza todos os métodos, prevalecendo, de acordo com o caso concreto, um ou outro, Karl Larenz evita falar em métodos, preferindo a expressão pontos de vista diretivos. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 3. ed. Tradução de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 450.
[4] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito financeiro e de direito tributário, 2. Ed., São Paulo: Saraiva, 1992, pp. 183-184.
[5] LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 3. ed. Tradução de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 454.
[6] O art. 108 do Código Tributário Nacional elenca os métodos que devem ser utilizados para a integração da lei tributária.
RESPOSTA
Ante o exposto, opino pelo NÃO PROVIMENTO ao recurso interposto por falta de amparo normativo, e tendo em vista que o mesmo se fundamenta em pressuposto incabível quanto ao modo como os benefícios e incentivos fiscais devem ser interpretados e aplicados no contexto constitucional brasileiro de distribuição de funções entre Poderes.
Manifestamos nossa concordância com o disposto no Parecer sobre Interposição de Recurso 74587323do órgão técnico desta Coordenadoria, que opinou pelo NÃO PROVIMETO do recurso voluntário da solução dada a Consulta Nº 023/24 no Parecer sobre Pedido de Consulta Tributária 71163772.
Submetemos à vossa senhoria para decisão de encaminhamento à Subsecretaria de Estado de Receita , tendo em vista o disposto no §2º do artigo 37 do Anexo à Resolução n.º 414/22.[1]
Para Vossa consideração nos termos do Art. 155[2] do Decreto nº 2.473/79.
[1] 2º As decisões emanadas no âmbito da Superintendência de Tributação, que causem grande impacto e repercussão geral, deverão ser previamente apreciadas pela Subsecretaria de Estado de Receita antes da produção de efetivos efeitos.
[2] Art. 155. Da solução dada à consulta cabe recurso voluntário, com efeito suspensivo, para o Superintendente de Administração Tributária.
Parágrafo único. O prazo para a interposição de recurso é de 15 (quinze) dias