Consulta nº 23 DE 23/02/2022

Norma Estadual - Paraná - Publicado no DOE em 23 fev 2022

ICMS. VENDA DE ATIVO IMOBILIZADO. HABITUALIDADE OU VOLUME QUE CARACTERIZE INTUITO COMERCIAL. CONTRIBUINTE DO IMPOSTO.

A consulente informa que, para a consecução de sua atividade econômica principal de locação de automóveis sem condutor (CNAE 7711-0/00), adquire veículos de montadoras e os incorpora em seu ativo imobilizado.

Relata que por livre decisão empresarial, de cunho comercial, pode efetuar a venda desses veículos antes de completar 12 meses contados da data de aquisição da montadora, sendo procedidos os registros contábeis para baixar esses bens do ativo imobilizado.

Assevera que a operação de comercialização desses veículos em prazo inferior a 12 meses está gerando dúvidas quanto à interpretação e à aplicação da legislação relativamente ao ICMS, especialmente acerca da obrigatoriedade de recolhimento do imposto quando da comercialização desses bens para pessoas físicas ou jurídicas residentes ou estabelecidas em território paranaense.

Reporta-se ao Convênio ICMS 64/2006, para sustentar que tal regra normatiza a comercialização de veículo com destinatário estabelecido em unidade federada diversa daquela em que domiciliado o adquirente original. Entretanto, esclarece que as operações por ela praticadas se restringem ao território paranaense e, além disso, alega que o Paraná não internalizou as disposições contidas no referido convênio, em que pese os artigos 3º e 4º da Lei Complementar nº 24/1975, o art. 36 do Convênio ICMS 133/1997 e o art. 102 do Código Tributário Nacional estabelecerem que, na falta de manifestação do Estado, considera-se ocorrida a ratificação tácita dos convênios celebrados.

A consulente tendo como premissa que não é contribuinte do ICMS e que realizará operações de comercialização de veículos autopropulsados integrados ao ativo imobilizado, em prazo inferior a 12 meses da aquisição, a pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas em território paranaense, aduz ter dúvidas quanto à correta interpretação do contido nos §§ 2º a 4º do art. 17 do Regulamento do ICMS, que tratam da matéria questionada.

Frisa que os referidos parágrafos retratam o tratamento tributário de operação com veículo realizada pelo fabricante ou importador, quando destinado diretamente ao consumidor final ou ao ativo imobilizado do adquirente, mas não fazem referência expressa a operações de venda desses bens por empresas locadoras sediadas no Paraná, que não têm inscrição no cadastro estadual, na hipótese em que adquiridos por pessoas físicas ou jurídicas também estabelecidas neste Estado.

Posto isso, indaga:

1. se é devido o recolhimento do ICMS na venda de bens incorporados ao ativo imobilizado, em prazo inferior aos 12 meses contados da aquisição da montadora (com imediata e subsequente ativação destes), para pessoa física estabelecida também no Estado do Paraná;

2. se é devido o recolhimento do ICMS na venda de bens incorporados ao ativo imobilizado, em prazo inferior aos 12 meses contados da aquisição destes bens da montadora (com imediata e subsequente ativação destes), para pessoa jurídica estabelecida também no Estado do Paraná e, caso a resposta para este item seja positiva, questiona se haverá diferenciação em relação ao recolhimento do imposto pelo fato de o destinatário ser pessoa jurídica usuário final ou pessoa jurídica que adquire o veículo para revendê-lo;

3. caso devido o recolhimento do ICMS na operação de comercialização do veículo pertencente ao ativo da locadora, se:

3.1 aplicam-se as regras estabelecidas no art. 17, §§ 2º, 3º e 4º, do RICMS;

3.2. esse recolhimento deve ser realizado na modalidade de diferencial de alíquotas, ou seja, apurando a diferença entre o imposto incidente na operação de aquisição determinado com a alíquota de 12%, e aquele devido pela venda, calculado com alíquota de 18%;

3.3 é possível aplicar a redução da base de cálculo prevista no item 4 do Anexo VI do RICMS ou se deve a consulente utilizar como base de cálculo o valor da operação referente a venda do veículo, nos termos do art. 8º, I, do RICMS;

4. se de acordo com a operação delineada, a consulente pode apropriar o crédito de ICMS referente à aquisição dos veículos, ainda que as vendas sejam realizadas antes do período de 12 meses e se refiram a bens contabilizados no ativo imobilizado;

5. se há obrigatoriedade da consulente se inscrever no cadastro de contribuintes do ICMS e de atender às demais obrigações acessórias, nos termos do art. 19 do RICMS;

6. se a consulente deve emitir nota fiscal referente a venda dos veículos comercializados antes do período de 12 meses, tal como prevê a regra geral do art. 232 do RICMS e, se não for necessário emitir nota fiscal, qual a documentação permitida para realizar a operação em apreço.

RESPOSTA

Primeiramente, registra-se que o Paraná, na qualidade de signatário do Convênio ICMS 64, de 7 de julho de 2006, que estabelece disciplina para a operação de venda de veículo autopropulsado realizada por pessoa física que explore a atividade de produtor agropecuário ou por qualquer pessoa jurídica, com menos de 12 meses da aquisição da montadora, ratificou-o tacitamente, nos termos do art. 36 do Regimento do Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ, aprovado pelo Convênio ICMS 133, de 12 de dezembro de 1997, mas não o internalizou na sua legislação, de modo que suas disposições não são aplicáveis às vendas internas.

No que diz respeito aos §§ 2º a 4º do art. 17 do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 7.871, de 29 de setembro de 2017, que preveem o recolhimento da diferença de ICMS de 12% para 18%, devidamente corrigida, ao adquirente que comercializar veículo pertencente ao seu ativo imobilizado, antes de transcorrido 12 meses de sua aquisição, informa-se que não são aplicáveis à situação relatada pelas razões que se passa a expor.

As operações com veículos automotores novos, especificados na Seção XXVIII do Capítulo I do Anexo IX do Regulamento do ICMS, com destino a estabelecimento revendedor, estão sujeitas ao regime de substituição tributária. Desse modo, cabe ao estabelecimento industrial fabricante ou ao importador a responsabilidade pela retenção e recolhimento do ICMS relativo às operações até o consumidor final.

Atualmente, há dois convênios disciplinando a substituição tributária nas operações com veículos: (1) o Convênio ICMS 199, de 15 de dezembro de 2017 e (2) o Convênio ICMS 51, de 15 de setembro de 2000.

A diferença básica entre esses dois instrumentos consiste no fato de o segundo autorizar a montadora a faturar o veículo diretamente ao adquirente (consumidor final), o que não é permitido pelas regras do primeiro.

De qualquer forma, independentemente da sistemática adotada pela montadora para comercialização do veículo novo, em ambas as situações o ICMS é exigido pelo regime de substituição tributária, pois mesmo na venda por meio de faturamento direto há a participação da concessionária, conforme expressamente consta no cabeçalho do Convênio ICMS 51/2000.

Partindo da premissa de que as operações com veículos automotores têm o imposto retido pelo regime de substituição tributária, inaplicáveis as regras dispostas nos §§ 2º a 4º do art. 17 do Regulamento do ICMS, pois na operação de aquisição incide a alíquota de 12%, nos termos da alínea "o" do inciso II do "caput" do mesmo art. 17, não sendo devida nenhuma importância de imposto a complementar a título de diferença de alíquotas, na hipótese de o veículo ser comercializado em prazo inferior a 12 meses.

Entretanto, quando a comercialização de veículos, inicialmente adquiridos para integrar o ativo imobilizado, for praticada com habitualidade e intuito comercial há incidência de ICMS, conforme concluiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.025.986 - Tema 1012 da repercussão geral, cuja decisão transitou em julgado em 7 de novembro de 2020, fixando a seguinte tese:

"É constitucional a incidência do ICMS sobre a operação de venda, realizada por locadora de veículos, de automóvel com menos de 12 (doze) meses de aquisição da montadora."

Por oportuno, ainda, transcreve-se excerto do voto do Ministro Relator, Alexandre de Moraes, exarado no RE 1.025.986:

"Por outro lado, no que se refere à classificação dos veículos adquiridos pela locadora diretamente da montadora e vendidos em menos de um ano, faz-se necessário analisar se efetivamente constituem ativo fixo, para fins de afastamento do ICMS.

O artigo 179, IV, da Lei 6.464/1976, na redação dada pela Lei 11.638/2007, conceituou o ativo imobilizado como sendo os direitos que tenham por objeto bens corpóreos destinados à manutenção das atividades da companhia ou da empresa ou exercidos com essa finalidade, inclusive os decorrentes de operações que transfiram à companhia os benefícios, riscos e controle desses bens.

Não há dúvidas de que, quando de sua aquisição, diretamente da montadora, os veículos têm a característica de ativo imobilizado, enquanto estiverem sendo usados em suas finalidades.

Ocorre que, quando da revenda, os bens oriundos do ativo imobilizado perdem essa característica, passando a assumir o conceito de mercadoria, tornando-se, pois, bem móvel sujeito a mercancia, porque foi introduzido no processo circulatório econômico (Direito Tributário. RICARDO ALEXANDRE apud SOUTO MAIOR BORGES, 13ª ed., p. 712)."

[...]

Nesse sentido, reputo irretocável o voto condutor do acórdão recorrido, bem sistematizado no seguinte trecho da ementa do julgado (Vol. 4, fls. 32-33):

[...]

10. Isso porque revela-se inviável afirmar a existência ou a inexistência de fato gerador do ICMS (quando o substrato fático for a venda de veículo usado por parte de empresa locadora de automóveis), exclusivamente com base na classificação contábil conferida aos veículos por ocasião da operação de entrada, sem examinar os aspectos factuais da subsequente operação de venda, à luz do modus operandi adotado pela empresa locadora/vendedora.

11. Aliás, à vista dos elementos de provas coligidos nestes autos, tem-se que, aparentemente, a venda de veículos usados por parte da impetrante é realizada não apenas com habitualidade, mas também com profissionalidade específica (com estabelecimentos próprios, distintos dos utilizados para locação, e com estruturas funcionais especializadas), isto como etapa inerente às suas atividades empresariais globais (ou seja, como elemento da empresa), muito embora essa etapa seja, em princípio, sempre subsequente à etapa constituída pelo uso do veículo para locação.

Denota-se, conforme consignado pelo STF, que a incidência do ICMS não pode ser verificada simplesmente pela classificação contábil conferida aos veículos por locadoras por ocasião da entrada, sem examinar os aspectos factuais da subsequente operação de venda, à luz do "modus operandi" adotado pela empresa locadora e, em se constatando a habitualidade e volume que caracterize intuito comercial, bem como existência de estrutura dedicada à atividade de revenda, fica caracterizada a natureza de mercadoria dos veículos, constituindo, tais operações, fato gerador do ICMS.

Assim considerando, na hipótese de a consulente promover operações com veículos usados, incorporados ao seu ativo imobilizado, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, enquadra-se no conceito de contribuinte do imposto, nos termos do art. 16 da Lei nº 11.580, de 14 de novembro de 1996, devendo providenciar a sua inscrição estadual e cumprir as obrigações principal e acessórias previstas na legislação do ICMS.

Para a apuração do valor do imposto a ser recolhido, deve-se aplicar a alíquota de 18% sobre o valor da operação de venda, pois a alíquota de 12% se aplica somente nas operações com veículos novos e sujeitas ao regime de substituição tributária, abatendo-se desse montante o valor total do imposto cobrado por ocasião da entrada (próprio e retido por substituição tributária), destacado no documento fiscal de aquisição do veículo novo.

Registre-se que, na operação de venda de veículos usados promovida pela consulente, não deve ser adotada a redução da base de cálculo de que trata o item 4 do Anexo VI do Regulamento do ICMS, pois essa regra somente se aplica quando a operação de entrada no estabelecimento não tiver sido onerada pelo imposto, ou quando a operação tenha sido tributada mediante a redução de base cálculo de que trata o citado item.

Infere-se do exposto pela consulente que suas operações de entrada não atendem a esses requisitos, razão pela qual, inaplicável a referida redução nas subsequentes operações de venda por ela praticadas.

Desse modo, se estiver procedendo de forma diversa ao exposto na presente resposta, a consulente deverá observar o disposto no art. 598 do Regulamento do ICMS, que prevê o prazo de até 15 dias para a adequação dos procedimentos já realizados ao ora esclarecido.