Consulta nº 20 DE 17/09/2024

Norma Estadual - Roraima - Publicado no DOE em 17 set 2024

ICMS. OBRIGAÇÃO PRINCIPAL. Consulta. Manutenção do crédito presumido previsto no §1º do Art. 8º da Lei 215/98 nos casos de venda para exportação e para Zona Franca de Manaus. Resposta. I. Não é possível aplicação do crédito presumido nas operações que destinem mercadorias industrializadas, oriundos de produtos in natura regidos pela Lei 215/98, para a Zona Franca de Manaus, por desobediência ao firmado no Convênio ICMS 106/2016 e ao §2º do art. 8º da Lei 215/98. II. Aproveita a resposta do item I e complementa com o dispositivo constitucional previsto no artigo 155, incisos II e X, que prevêem para os casos de exportações de mercadorias a manutenção e aproveitamento do imposto cobrado nas operações anteriores, inexistentes nos casos em estudo, já que se trata de um crédito presumido nas operações beneficiadas pela isenção concedida pela própria Lei 215/98.

RELATÓRIO

Trata-se o presente de Processo Especial de Consulta formulada pela FEDERAÇÃO DAS INDUSTRIAS DO ESTADO DE RORAIMA - FIER , acima qualificada.

Recebido o processo eletronicamente, a Agência de Rendas de Boa Vista o destinou a este Contencioso.

A Consulente fundamenta o questionamento, em síntese:

Ao §3º do Art. 8º da Lei 215/98, que assim dispõe:

Art. 8º Fica concedido o direito a crédito fiscal presumido do ICMS nas aquisições de produtos agrícolas em estado natural com isenção amparada nos termos desta lei pelo Projeto Integrado de Exploração Agropecuária e Agroindustrial do Estado de Roraima, adquiridas pelas indústrias de beneficiamento, nas operações internas. (alterada pela lei nº 1150, de 27 de dezembro de 2016)

§ 1º O direito de concessão de crédito presumido de que trata o caput será igual ao valor do imposto que seria devido na origem se não houvesse a isenção. (acrescentado pela lei nº 1150, de 27 de dezembro de 2016)

§ 2º Aplica-se o crédito presumido somente na aquisição de produtos agrícolas em estado natural e que sejam destinadas exclusivamente à industrialização de beneficiamento e posterior comercialização no estado de Roraima. (acrescentado pela lei nº 1150, de 27 de dezembro de 2016).

§ 3º Além das hipóteses previstas no Art. 21 da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, será exigido o estorno do crédito presumido nas saídas interestaduais com os produtos resultantes da industrialização, ressalvados os casos em que a legislação do imposto não exigir a anulação do crédito. (acrescentado pela lei nº 1150, de 27 de dezembro de 2016).

Informa a consulente que devido ao grande potencial de produção de grãos no Estado de Roraima, esta é escoada de forma industrializada para a Zona Franca de Manaus e também para os países vizinhos, dessa forma entende que o crédito presumido concedido no art. 8º §1º da Lei 215/98 não deve ser estornado da conta gráfica da industria que realizou a venda para o exterior ou para zona franca de Manaus.

Fundamenta seu entendimento no art. 21§ 2º da Lei Complementar 87/96 que assim estabelece:

Art. 21. O sujeito passivo deverá efetuar o estorno do imposto de que se tiver creditado sempre que o serviço tomado ou a mercadoria entrada no estabelecimento:

§ 2º Não se estornam créditos referentes a mercadorias e serviços que venham a ser objeto de operações ou prestações destinadas ao exterior ou de operações com o papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos.

No mesmo sentido, entende o consulente com relação aos produtos comercializadas para a Zona Franca de Manaus, fundamentando conforme Art. 4º do Decreto Lei 288 de 28/02/1967:

Art. 4º A exportação de mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus, ou reexportação para o estrangeiro, será para todos os efeitos fiscais, constantes da legislação em vigor, equivalente a uma exportação brasileira para o estrangeiro.

Acrescenta ainda o convênio ICMS 65/88, para sua fundamentação:

Cláusula primeira: Ficam isentas do imposto às saídas de produtos industrializados de origem nacional para comercialização ou industrialização na Zona Franca de Manaus, desde que o estabelecimento destinatário tenha domicílio no Município de Manaus.

Cláusula terceira: Fica assegurado ao estabelecimento industrial que promover a saída mencionada na cláusula primeira a manutenção dos créditos relativos às matérias primas, materiais secundários e materiais de embalagens utilizados na produção dos bens objeto daquela isenção.

Diante do exposto, indaga:

1) Seria passível de legalidade o não estorno do crédito presumido de ICMS nas saídas para a Zona Franca de Manaus, de mercadoria resultante da industrialização de produtos in natura regidos pela Lei 215/98, por parte das industrias de beneficiamento, compreendendo que essas saídas se equiparam a uma exportação?

2) Seria passível de legalidade o não estorno do crédito presumido de ICMS nas saídas para o exterior, de mercadoria resultante da industrialização de produtos in natura regidos pela Lei 215/98, por parte das industrias de beneficiamento?

É em linhas gerais, o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

Em análise preliminar, convém observar que o Processo Especial de Consulta guarda obediência às disposições previstas na Lei Complementar n.º 072/94, bem como, às normas contidas no Regulamento do Contencioso Administrativo Fiscal (CAF), aprovado pelo Decreto n.º 856-E/94.

Analisada as condições de admissibilidade do processo, entendo estar suficientemente instruída e sintetizada a questão de mérito proposta, que trata de esclarecer dúvida sobre obrigação principal e acessória.

No caso que se aventa, a Consulente indaga sobre a aplicação do §3º do Art. 8º da Lei 215/98, o qual refere-se ao estorno do crédito presumido previsto no §1º do Art. 8º da Lei 215/98.

É válido ressaltar que os parágrafos 1º, 2º e 3º do art. 8º foram acrescentados na Lei 215/98 através da Lei 1150/2016, de iniciativa do Executivo Estadual que visou coibir a concorrência desleal que existia à época entre os produtos agropecuários oriundos de outros Estados e os produzidos em Roraima, conforme se constata na mensagem governamental 140/2016, que enviou o projeto de Lei para a Assembléia Legislativa:

“...o presente Projeto de Lei pretende coibir a concorrência desleal que existe entre os produtos agropecuários oriundos de outros Estados e os produzidos em Roraima, que quando comercializados internamente este último apresenta significativas desvantagens. Sendo assim, a deslealdade na concorrência comercial reside no fato que em que a Lei n° 025, de 21 de dezembro de 1992, que dispõe sobre a concessão de incentivos fiscais nas operações de internação de mercadorias industrializadas nas Áreas de Livre Comércio de Bonfim e Boa Vista, prevê e concede crédito fiscal presumido do ICMS às mercadorias adquiridas com isenção em outras Unidades da Federação ou localidades do próprio estado de Roraima, enquanto que os produtos amparados pela Lei n° 215, de 11 de setembro de 1998 não possuem o mesmo tratamento isonômico, uma vez que o referido diploma estadual estabelece que o Art. 8°: não implicará em crédito do ICMS as aquisições de mercadorias tributadas oriundas de outras Unidades da Federação", e muito menos nas adquiridas internamente. Portanto, a desigualdade de tratamento tributário inviabiliza o desenvolvimento econômico dos empreendimentos agropecuários participantes dos alusivos incentivos fiscais, fazendo-se necessária a adoção de medidas para corrigir o problema.”

Afim de solucionar o problema identificado, o governo executivo estadual tomou providências junto ao CONFAZ conforme consta ainda na mensagem governamental 140/2016:

“... a Secretaria de Estado da Fazenda de Roraima apresentou uma proposta na 162ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) realizada em Boa Vista (RR), que findou na aprovação do Convênio CONFAZ ICMS n° 106, de 23 de setembro de 2016 que autorizou o estado de Roraima a conceder crédito presumido do ICMS nas aquisições de produtos agrícolas em estado natural com isenção amparada pelo Projeto Integrado de Exploração Agropecuária e Agroindustrial do Estado de Roraima, adquiridas pelas indústrias de beneficiamento.”

Ficou estabelecido ainda junto ao CONFAZ, pré-requisito para a concessão do crédito presumido, conforme também demonstrado na citada mensagem governamental:

“A deliberação fazendária permite a concessão do crédito presumido em favor dos empreendimentos agropecuários nos mesmos termos dos contribuintes beneficiados pela legislação estadual alusiva à áreas de Livre Comércio de Boa Vista e Bonfim, porém o referido crédito do ICMS se materializará apenas se os produtos agrícolas em estado natural forem destinados exclusivamente à industrialização de beneficiamento e posterior comercialização dentro dos limites territoriais do estado de Roraima, não se estendendo o direito de manutenção do crédito presumido do ICMS na saída destes produtos a outras Unidades da Federação.” (grifos nosso).

A mensagem deixa claro que a posterior comercialização dos produtos industrializados devem ser dentro dos limites territoriais do estado de Roraima, sendo essa a condição para se materializar o crédito de ICMS proposto, que refletiu esse entendimento no §2º do art. 8º da Lei 215/98:

§ 2º Aplica-se o crédito presumido somente na aquisição de produtos agrícolas em estado natural e que sejam destinadas exclusivamente à industrialização de beneficiamento e posterior comercialização no estado de Roraima. (acrescentado pela lei nº 1150, de 27 de dezembro de 2016).

Conforme estabelecido, a aplicação do crédito presumido na aquisição de produtos agrícolas em  estado natural está condicionada a posterior comercialização no estado de Roraima dos produtos industrializados, portando não há de se falar em crédito presumido nos casos que não atendem a esse pré-requisito, por consequência não há de se falar em estorno ou manutenção de crédito inexistente.

Fica claro na mensagem governamental, que o intuito de conceder o crédito presumido trazido na Lei 1150/2016 foi proporcionar igualdade de condições entre os contribuintes de ICMS no estado de Roraima nas operações internas. Sendo assim é evidente que uma aplicação do crédito presumido em operações interestaduais ou internacional, desvirtuaria significativamente o objetivo da própria Lei 215/98, pois seria mais vantajoso vender para fora do estado em operações com a Zona Franca e exportações, do que vender internamente, criando um efeito oposto ao pretendido na Lei 1150/2016 que foi fortalecer o mercado interno e coibir a concorrência desleal.

Em complemento, salienta-se que, tratando-se de manutenção de créditos de produtos vendidos para o exterior, a Constituição Federal já previu em seu artigo 155:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

...

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

...

X - não incidirá:

a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores;(grifos nosso)

Como se constata, quis o legislador originário tratar o assunto ora em questionamento na própria carta magna, refletindo assim a importância da matéria. Conforme se observa, o texto constitucional garante o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores, nos casos de exportação de produtos ou serviços.

Ocorre que o no caso específico do crédito presumido a que se refere a Lei 215/98, não se trata de imposto cobrado nas operações anteriores, uma vez que os contribuintes que satisfazem os pré-requisitos previstos na própria Lei ficam isentos do ICMS nas suas operações de saídas internas, destinadas a industrialização, portanto não há cobrança e nem pagamento de ICMS nas operações anteriores, excluindo assim a possibilidade de manutenção de crédito prevista na carta magna.

Feita as considerações iniciais, passo a análise e resposta dos quesitos.

1) Seria passível de legalidade o não estorno do crédito presumido de ICMS nas saídas para a Zona Franca de Manaus, de mercadoria resultante da industrialização de produtos in natura regidos pela Lei 215/98, por parte das industrias de beneficiamento, compreendendo que essas saídas se equiparam a uma exportação?

Não é possível aplicação do crédito presumido nas operações que destinem mercadorias industrializadas, oriundos de produtos in natura regidos pela Lei 215/98, para a Zona Franca de Manaus, por desobediência ao firmado no Convênio ICMS 106/2016 e que foi materializado no §2º do art. 8º da Lei 215/98:

§ 2º Aplica-se o crédito presumido somente na aquisição de produtos agrícolas em estado natural e que sejam destinadas exclusivamente à industrialização de beneficiamento e posterior comercialização no estado de Roraima.

O dispositivo citado é claro ao condicionar a aplicação do crédito presumido à posterior comercialização no estado de Roraima, sendo assim não há de se falar em crédito presumido em saídas para fora do estado, por consequência lógica não existe manutenção ou estorno do mesmo.

2) Seria passível de legalidade o não estorno do crédito presumido de ICMS nas saídas para o exterior, de mercadoria resultante da industrialização de produtos in natura regidos pela Lei 215/98, por parte das industrias de beneficiamento?

Resposta: Aproveita a resposta do item 1, complementado pelo dispositivo constitucional previsto no artigo 155:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

...

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;...

X - não incidirá:

a. sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores;(grifos nosso).

O texto constitucional prevê para os casos de exportações de mercadorias a manutenção e aproveitamento do imposto cobrado nas operações anteriores, inexistentes nos casos em estudo, já que o art. 8º §1º da Lei 215/98 estabelece um crédito presumido nas operações beneficiadas pela isenção concedida pela própria Lei.

Esta Consulta perderá automaticamente a sua eficácia em caso de mudança de entendimento por parte da Administração Tributária, ou seja, na edição de norma posterior dispondo de forma contrária.

A resposta a Consulta aproveita a Consulente nos termos da legislação vigente, devendo-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.

Com essas considerações dou a presente por respondida.

DESPACHO DECISÓRIO

Dê-se ciência a Consulente, nos moldes do art. 47, inciso III, alínea “a” e parágrafo 7º do Decreto n.º 856-E/94.

Dê-se ciência ao Presidente do Contencioso Administrativo Fiscal.

Encaminhe-se à Diretoria do Departamento da Receita para conhecimento e demais providências necessárias.

Após, os autos da presente Consulta deverão ser arquivados na repartição de origem, nos termos dos art.´s 80 e 81 da Lei n.º 072, de 30 de junho de 1994, e como fora feito via SEI, que seja proferido despacho de arquivamento nesta pasta.

Boa Vista/RR, 17 de setembro de 2024.

(assinatura eletrônica)

ADALBERTO SEVERO ALVES JUNIOR

Chefe da Div. de Proc. Adm. Fiscais