Consulta nº 2 DE 17/03/2023

Norma Estadual - Roraima - Publicado no DOE em 27 abr 2023

ICMS. OBRIGAÇÃO PRINCIPAL. OPERAÇÕES COM ENERGIA ELÉTRICA. APLICAÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR 194/2022 E DO DECRETO 32.806-E/2022. CONSULTA ACERCA DA VIGÊNCIA DE REDUÇÃO DA ALÍQUOTA DO ICMS; DA APLICAÇÃO “pro rata”; DA RETIRADA DO FECP DAS FATURAS APÓS A VIGÊNCIA DO ATO NORMATIVO; e, COBRANÇA DA TUSD/TUST SEM A INCIDÊNCIA DO ICMS. Decreto 32.806-E/2022, além da não previsão de seus dispositivos na Lei n.º 059/93 (Código Tributário Estadual), trata apenas de “gasolina, álcool anidro e hidratado para fins combustíveis” e “serviço de telecomunicação”. FECP ainda não instituído no Estado de Roraima. A hipótese de não incidência do ICMS em relação aos “serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica”, acrescentada pela LC 194/22 a Lei Kandir, além de não incorporada a Lei 059/93, trata-se de situação em que o resultado do objeto (fornecimento de energia) é um só, uma vez que geração, transmissão, distribuição e consumo de energia elétrica se traduzem na entrega de energia ao consumidor, tornando-se único e indissociável, não se viabilizando segregação em partes, distinto das operações com mercadorias comuns, sendo partes do custo do fornecimento de energia, e, portanto, integrantes da base de cálculo do ICMS incidente nas operações com energia elétrica. A separação da tarifa de energia elétrica em TUSD (Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição) e TUST (Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão), trata-se na divisão, dentro dos diversos segmentos operacionais (geração, transmissão e distribuição), de encargo no contexto econômico entre os agentes envolvidos, não alterando a regra matriz de incidência do ICMS, tampouco sua base de cálculo. Cautelar na ADI 7.195/DF, do Ministro Luiz Fux, que suspendeu em 09/02/23 os efeitos do art. 3º, inciso X, da Lei Complementar n.º 87/96 (Kandir), com redação dada pela Lei Complementar n.º 194/2022, objeto da quesitação.

RELATÓRIO

Trata-se o presente de Processo Especial de Consulta formulada por Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa – ABRAGEL, estabelecida no endereço em epígrafe.

Recebido o processo, a Agência de Rendas de Boa Vista o destinou a esta Divisão de Procedimentos Administrativos Fiscais-DPAF (ep 6100056).

A Consulente fundamenta o questionamento, em síntese (ep 5938263):

 

1. A LC 194/2022 trouxe alterações no Código Tributário Nacional ao considerar o serviço de energia elétrica essencial, não podendo ser tratado como supérfluo, e, assim, vedar a fixação da alíquota de ICMS incidente sobre as operações de energia elétrica superior ao das operações em geral.

2. A LC 194/2022, em seu art. 2º incluiu no rol de não incidências do ICMS previstas na LC 87/1996 (Lei Kandir), os serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica.

3. A Secretaria de Fazenda de Roraima publicou, no dia 04 de julho de 2022, o Decreto n.° 32.806-E, que dispõe sobre a redução da alíquota de ICMS incidente sobre as operações de energia elétrica para 17%, com vigência a partir de 04 de julho de 2022.

4. O Decreto 32.806-E/2022 não incorporou a hipótese de não incidência do ICMS sobre os serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica, e tal condição impacta, no que tange à cobrança da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição – TUSD e à Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão – TUST, a todos aqueles consumidores de energia elétrica, independente da classe de consumo, bem como aos geradores de energia elétrica associados da ABRAGEL conectados ao sistema da Distribuidora ou Transmissora local, conforme o caso.
Diante do exposto, indaga (pg. 2/3, ep 5938263) se:

(i) A redução da alíquota de ICMS incidente sobre as operações de energia elétrica deve ocorrer após a vigência e consequente eficácia do Decreto n° 32.806-E, em 04 de julho de 2022;

(ii) Deve haver a aplicação da nova alíquota “pro rata”, visto que o fornecimento de energia ocorre no mês civil (entre o primeiro e último dia do mês);

(iii) Por força do § 1o do art. 82 da Constituição Federal, somente é autorizada a cobrança do FECP sobre bens e serviços supérfluos e, por força da LC 194/2022, serviços relativos à energia elétrica não podem ser considerados supérfluos, evidenciando ser indevida a cobrança. Assim, a retirada do FECP das faturas de energia elétrica deverá ocorrer após a vigência e consequente eficácia do ato normativo editado por Roraima nesse sentido; e,

(iv) Deve a Distribuidora ou Transmissora acessada pelo gerador de energia elétrica
realizar a cobrança da TUSD/TUST geração sem a incidência do ICMS, em cumprimento à LC 194/2022.

É em linhas gerais, o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

Em análise preliminar, convém observar que o Processo Especial de Consulta guarda obediência às disposições previstas na Lei Complementar n.º 072/94, bem como, às normas contidas no Regulamento do Contencioso Administrativo Fiscal, aprovado pelo Decreto n.º 856-E/94.

Analisada as condições de admissibilidade do processo, entendo estar suficientemente instruída e sintetizada a questão de mérito proposta, que trata de esclarecer dúvida sobre obrigação principal.

Feita as considerações iniciais, passo a análise do questionamento.

No caso que se aventa, a Consulente fundamenta o questionamento nos dispositivos da Lei Complementar Federal de n.º 194, de 23 de junho de 2022, por meio de seus arts. 1º e 2º, respectivamente, os quais acrescentaram o art. 18-A ao Código Tributário Nacional e o art. 32-A à Lei Complementar n.º 87 (Lei Kandir), de 13 de setembro de 1996, vedando, nas operações com energia elétrica, a fixação de alíquota superior à alíquota aplicável às operações em geral.

De plano verifica-se que, embora a mencionada Lei Complementar Federal tenha entrado em vigor em 23 de junho de 2022, esta somente estabeleceu normais gerais em matéria tributária, haja vista o contido no inciso III do art. 146 da Constituição Federal de 1988.

Saliente-se que, conforme o inciso IV do art. 97 do Código Tributário Nacional, a efetiva fixação ou alteração de alíquota necessita de edição de lei, em sentido estrito, pelo ente tributante competente, cabendo ao Poder Executivo somente a respectiva regulamentação:

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

(...)

IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; 

Com relação ao Decreto 32.806-E/2022, objeto do questionamento, além da não previsão de seus dispositivos na Lei n.º 059/93 (Código Tributário Estadual), verifica-se que este trata apenas de “gasolina, álcool anidro e hidratado para fins combustíveis” e “serviço de telecomunicação”, in verbis:

Art. 1º O art. 46 do Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – RICMS, aprovado pelo Decreto nº 4.335-E, de 3 de agosto de 2001, passa a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 46. […]

I - […]

c) 17% (dezessete por cento) para gasolina, álcool anidro e hidratado
para fins combustíveis; (NR)

[…]

III - […]

a) 17% (dezessete por cento), no serviço de telecomunicação; (NR)

[…]

Por fim, a LC 194/22 acrescentou o inciso X ao art. 3º da Lei Kandir, buscando prever uma nova hipótese de não incidência do ICMS em relação aos “serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica”.
Novamente, além da não incorporação de tal hipótese ao Código Tributário do Estado de Roraima (Lei 059/93), conforme estabelecido no art. 97 do CTN, deve-se destacar que o processo de geração, transmissão, distribuição e consumo de energia elétrica se traduz em situação em que o resultado do objeto é um só, qual seja, o fornecimento de energia, tornando-se único e indissociável, não se viabilizando segregação em partes, distinto das operações com mercadorias comuns.

Neste sentido o julgado do Superior Tribunal de Justiça, conforme REsp nº 1.163.020/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 21/03/2017:
TRIBUTÁRIO. ICMS. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. BASE DE CÁLCULO. TARIFA DE USO DO SISTEMA DE
DISTRIBUIÇÃO (TUSD). INCLUSÃO.

1. O ICMS incide sobre todo o processo de fornecimento de energia elétrica, tendo em vista a indissociabilidade das suas fases de geração, transmissão e distribuição, sendo que o custo inerente a cada uma dessas etapas - entre elas a referente à Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) - compõe o preço final da operação e, consequentemente, a base de cálculo do imposto, nos termos do art. 13, I, da Lei Complementar n. 87/1996.

2. A peculiar realidade física do fornecimento de energia elétrica revela que a geração, a transmissão e a distribuição formam o conjunto dos elementos essenciais que compõem o aspecto material do fato gerador, integrando o preço total da operação mercantil, não podendo qualquer um deles ser decotado da sua base de cálculo, sendo certo que a etapa de transmissão/distribuição não cuida de atividade meio, mas sim de atividade inerente ao próprio fornecimento de
energia elétrica, sendo dele indissociável.

3. A abertura do mercado de energia elétrica, disciplinada pela Lei n. 9.074/1995 (que veio a segmentar o setor), não infirma a regra matriz de incidência do tributo, nem tampouco repercute na sua base de cálculo, pois o referido diploma legal, de cunho eminentemente
administrativo e concorrencial, apenas permite a atuação de mais de um agente econômico numa determinada fase do processo de circulação da energia elétrica (geração). A partir dessa norma, o que se tem, na realidade, é uma mera divisão de tarefas - de geração, transmissão e distribuição - entre os agentes econômicos responsáveis por cada uma dessas etapas, para a concretização do negócio jurídico tributável pelo ICMS, qual seja, o fornecimento de energia elétrica ao consumidor final.

4. Por outro lado, o mercado livre de energia elétrica está disponibilizado apenas para os grandes consumidores, o que evidencia que a exclusão do custo referente à transmissão/distribuição da base de cálculo do ICMS representa uma vantagem econômica desarrazoada em relação às empresas menores (consumidores cativos), que arcam com o tributo sobre o "preço cheio" constante de sua conta de energia, subvertendo-se, assim, os postulados da livre concorrência e da capacidade contributiva.

5. Recurso especial desprovido.
Desta forma, a separação da tarifa de energia elétrica em TUSD (Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição) e TUST (Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão), trata-se na divisão, dentro dos diversos segmentos operacionais (geração, transmissão e distribuição), de encargo no contexto econômico entre os agentes envolvidos, não alterando a regra matriz de incidência do ICMS tampouco sua base de cálculo.

Por fim, em sede de Cautelar na ADI 7.195/DF, Ministro Luiz Fux, este suspendeu em 09/02/23 os efeitos do art. 3º, inciso X, da Lei Complementar n.º 87/96 (Kandir), com redação dada pela Lei Complementar n.º 194/2022, in verbis:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - DIREITO TRIBUTÁRIO - LEIS COMPLEMENTARES 192 E 194/2022 - ACORDO FIRMADO NOS AUTOS DA ADI Nº 7.191 E DA ADC Nº 984, DE RELATORIA DO MINISTRO GILMAR MENDES - OBJETO NÃO ABARCADO PELO ACORDO FIRMADO - EXPRESSA MENÇÃO À POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE LIMINAR AOS ESTADOS - MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LIMINAR AD REFERENDUM DO PLENÁRIO - FUMAÇA DO BOM DIREITO E URGÊNCIA - EXCLUSÃO DA TUST E DA TUSD DA BASE DE CÁLCULO DO ICMS POR MEIO DE LEI COMPLEMENTAR - POSSIBILIDADE DE A COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL TER SIDO EXORBITADA - PREJUÍZO BILIONÁRIO AOS ESTADOS

1. O regime do ICMS, modificado pelas pelas Leis Complementares nº 192, de 11 de março de 2.022 e 194, de 23 de junho de 2022, foram impugnadas nos autos da ADI 7191 e na ADPF 984, ambas de relatoria do Ministro Gilmar Mendes.

2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão virtual de 14 de dezembro de 2.022, homologou o acordo firmado entre as partes nos autos daquelas ações de controle concentrado.

3. O art. 2º da Lei Complementar nº 194/22, na parte em que modificou o inciso X do art. 3º da Lei Complementar nº 87/1996 - Lei Kandir, não foi objeto de transação naquela avença.

(...)

8. A inclusão dos encargos setoriais denominados Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) na base de cálculo do imposto estadual suscita controvérsia conducente à probabilidade do direito. É que a discussão remete à definição sobre qual seria a base de cálculo adequada do ICMS na tributação da energia elétrica, vale dizer, se o valor da energia efetivamente consumida ou se o valor da operação, o que incluiria, neste último caso, os referidos encargos tarifários. A questão pende de julgamento em regime de recurso especial repetitivo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (Tema repetitivo 986, Rel.

Min. Herman Benjamin).

(...)

10. Tutela cautelar deferida para suspender os efeitos do art. 3º, X, da Lei Complementar nº 87/96, com redação dada pela Lei Complementar nº 194/2022, ad referendum do Plenário do Supremo Tribunal Federal.

Voltando-se aos questionamentos:

(i) A redução da alíquota de ICMS incidente sobre as operações de energia elétrica deve ocorrer após a vigência e consequente eficácia do Decreto n° 32.806-E, em 04 de julho de 2022.
Resposta prejudicada, uma vez que o Decreto 32.806-E/2022, além da não previsão de seus dispositivos na Lei n.º 059/93 (Código Tributário Estadual), trata apenas de “gasolina, álcool anidro e hidratado para fins combustíveis” e “serviço de telecomunicação”.

(ii) Deve haver a aplicação da nova alíquota “pro rata”, visto que o fornecimento de energia ocorre no mês civil (entre o primeiro e último dia do mês).
Resposta prejudicada, conforme item (i).

(iii) Por força do § 1o do art. 82 da Constituição Federal, somente é autorizada a cobrança do FECP sobre bens e serviços supérfluos e, por força da LC 194/2022, serviços relativos à energia elétrica não podem ser considerados supérfluos, evidenciando ser indevida a cobrança. Assim, a retirada do FECP das faturas de energia elétrica deverá ocorrer após a vigência e consequente eficácia do ato normativo editado por Roraima nesse sentido.
Resposta prejudicada, uma vez que o FECP ainda não fora instituído no Estado de
Roraima.

(iv) Deve a Distribuidora ou Transmissora acessada pelo gerador de energia elétrica realizar a cobrança da TUSD/TUST geração sem a incidência do ICMS, em cumprimento à LC 194/2022.

A hipótese de não incidência do ICMS em relação aos “serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica”, acrescentada pela LC 194/22 à Lei Kandir, além de não incorporada ao Código Tributário do Estado de Roraima (Lei 059/93), trata-se de situação em que o resultado do objeto (fornecimento de energia) é um só, uma vez que geração, transmissão, distribuição e consumo de energia elétrica se traduzem na entrega de energia ao consumidor, tornando-se único e indissociável, não se viabilizando segregação em partes, distinto das operações com mercadorias comuns, sendo partes do custo do fornecimento de energia, e, portanto, integrantes da base de cálculo do ICMS incidente nas operações com energia elétrica.

Por consequência, a separação da tarifa de energia elétrica em TUSD (Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição) e TUST (Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão), trata-se na divisão, dentro dos diversos segmentos operacionais (geração, transmissão e distribuição), de encargo no contexto econômico entre os agentes envolvidos, não alterando a regra matriz de incidência do ICMS, tampouco sua base de cálculo. Destaque-se, por fim, que em sede de Cautelar na ADI

7.195/DF, Ministro Luiz Fux, este suspendeu em 09/02/23 os efeitos do art. 3º, inciso X, da Lei Complementar n.º 87/96 (Kandir), com redação dada pela Lei Complementar n.º 194/2022, objeto da quesitação.

Esta Consulta perderá automaticamente a sua eficácia em caso de mudança de entendimento por parte da Administração Tributária, ou seja, na edição de norma posterior dispondo de forma contrária.

A resposta à Consulta aproveita a Consulente nos termos da legislação vigente, devendo-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.

Com essas considerações dou por respondida a Consulta.

DESPACHO DECISÓRIO
 

Dê-se ciência a Consulente, nos moldes do art. 47, inciso III, alínea “a” e parágrafo 7º do Decreto n.º 856-E/94.

Forneça-se cópia ao Presidente do Contencioso Administrativo Fiscal.

Encaminhe-se à Diretoria do Departamento da Receita para conhecimento e demais providências necessárias.

Após, os autos da presente Consulta deverão ser arquivados na repartição de origem, nos termos dos art.´s 80 e 81 da Lei n.º 072, de 30 de junho de 1994, e como fora feito via SEI, que seja proferido despacho de arquivamento nesta pasta.

Boa Vista/RR, 17 de março de 2023.

(assinatura eletrônica)

VILMAR LANA JÚNIOR

Auditor Fiscal de Tributos Estaduais

Chefe da Div. de Proc. Adm. Fiscais